domingo, janeiro 15

Cantando no comboio



Hoje vieram-me à memória duas cenas musicais bonitas (não, não quero escrever "fabulosas", que isso já não significa nada) de filmes do fim do século XX. O tétrico Dancer in the Dark (2000)

e o bollywoodesco Dil Se (1998):



4 minutos e 6 minutos com magias próprias.

domingo, dezembro 11

Populismos?

Por vezes alguém encontra a expressão certa para expôr o significado do ruído.

...le crime populiste qui est dénoncé rituellement ne désigne pas des mauvaises réponses mais des mauvaises questions: pour les bons esprits, le populiste n'est pas celui qui dit ce que les gens veulent entendre mais celui qui entend ce qu'ils veulent dire. Être populiste, dans ce sens, c'est parler des sujets qui fâchent, c'est-à-dire qui fâchent la gauche, ou plus précisément en parler autrement que sur le mode irénique et ravi qui sied.

Elizabeth Lévy, no Figaro.

domingo, novembro 15

Silêncios

Nos sítios do PSD e do PS na internet não há até este momento qualquer referência ao que se passou em Paris na sexta feira. Se alguma nota de imprensa passou nos jornais ou na rádio, deve ter sido muito discreta porque não me recordo de a ter lido ou ouvido. Assim, estou sem saber o que o nosso actual PM, e o que aquele que está ansioso por o substituir, pensam sobre o assunto em termos de importância e impacto no nosso futuro próximo. O CDS tem lá uma pequena nota, muito discreta, com referência a "terrorismo" assim sem mais, em abstracto. Há um comunicado solene do gabinete de imprensa do PCP, em que a preocupação principal é o crescimento das forças xenófobas e racistas. O sítio do Bloco refere preocupações semelhantes mas em linguagem menos formal (presumo que não combinaram nada entre ambos) e oferece, além disso, a visão da candidata Marisa, que pede meças às melhores opiniões jamais publicadas das misses sobre os problemas da paz no mundo. Esta, ao menos, disse alguma coisa, mas também não me recordo de ouvir nem sequer os outros candidatos que têm números com 2 dígitos nas sondagens pronunciarem-se. Que pensarão Nóvoa, Belém e Rebelo de Sousa? Talvez que ser PR é fazer uns discursos nos feriados, antigos ou repostos, gerindo com tranquilidade e discreção o cantinho de paz que Portugal parece ocupar na Europa, e onde os grandes problemas que se esperam não ultrapassarão as coreografias de incidência parlamentar e as subtilezas de natureza constitucional.

domingo, novembro 1

Sorrisos na caixa do correio


Esta semana chegou mais um número da revista da minha freguesia. Na linha de uma tradição já longa, a revistinha tece loas às "lutas", às "vitórias" e às "conquistas" realizadas sob a batuta da nossa junta. Os títulos dos artiguinhos terminam em regra com um ponto de exclamação. São discretamente escalpelizadas as maldades do inimigo externo, que é ora o governo ora a Câmara de Lisboa. Mas a mensagem que sobra é de um optimismo inexcedível. Vivemos num lugar "mágico" (a palavra tem sido utilizada diversas vezes) e a felicidade transbordante que é exibida excede a de qualquer cartaz chinês dos bons tempos de Mao. Nas 22 fotos incluídas no último número, contei 27 sorrisos, dos quais 17 escancarados e com fileiras de dentes impecáveis. Só posso ficar contente.

Asunta Yong Fang


No dia 21 de setembro de 2013, quase certamente entre as 18:22 e as 20:00, na povoação de Teo (Galiza), a menina Asunta Yong Fang foi atada com cordas cor de laranja e morta por asfixia. Do relatório de autópsia consta: "discreta hemorragia nasal; erosão no interior da boca [possível consequência da marca dos dentes pela pressão exercida do exterior com um objecto mole]; hemorragia pulmonar com rotura dos tabiques alveolares; um rasgão na boca do estômago, na união com o esófago", revelando que Asunta chegou a sofrer "náuseas ou vómitos no processo de morte". O cadáver foi descoberto, na noite desse dia, junto a uma estrada florestal, por dois homens que se dirigiam a um bar de alterne e que, por conduzirem embriagados, quiseram evitar uma estrada de maior movimento. Junto ao corpo, cordéis cor de laranja semelhantes aos que a polícia encontraria horas mais tarde na vivenda em Teo, e que Rosário, visivelmente ansiosa, terá tentado esconder.
Asunta foi adoptada em  em 2001 por Alfonso e Rosário, um casal muito bem visto na sociedade de classe média-alta de Santiago de Compostela. Alfonso e Rosário foram acusados do assassinato da filha. No julgamento, que tem estado a decorrer em Santiago, o júri considerou-os culpados no passado dia 30.
Alfonso e Rosario viveram em casas separadas desde o início de 2013, quando Alfonso descobre que Rosário tem um amante. Mas, sem grandes meios de subsistência e dependendo das ajudas da mulher, volta a casa, na rua da República Argentina, em Maio.
No dia 21 de setembro de 2013 a menina almoçou com o pai em Santiago. Ao fim do dia terá sido levada pela mãe à vivenda desta em Teo. A câmara de uma gasolineira filmou as duas no Mercedes às 18:22.
A autópsia revelou também a ingestão por Asunta de grandes quantidades de lorazepam. Está fora de dúvida que desde o início do verão que Alfonso comprara várias embalagens de Orfidal, medicamento que tem por base aquele princípio activo, na farmácia da rua Hórreo. E várias testemunhas comprovaram o estado de sonolência de Asunta em diversas ocasiões nesse período.
O júri pensa que Alfonso e Rosário actuaram em conjunto no planeamento do crime. Na ausência de detecção por câmaras de filmar, a presença de Alfonso na casa de Teo não pôde ser provada. Quanto a Rosário, não há dúvidas: uma vizinha que ela cumprimentou à pressa viu-a sair da vivenda às 20:45. Alfonso sustenta que passou toda a tarde em Santiago, e o posicionamento do seu telemóvel não o desmente. Rosário diz que deixou a menina a fazer os trabalhos de casa e voltou à casa de Santiago. Voltou, curiosamente, com o telemóvel desligado. Nenhum rasto de passos ou pneus foi detectado no sítio onde o cadáver foi descoberto.
Rosário conheceu Alfonso num café de Santiago em 1990. Casaram em 1996. Ambos profissionais medíocres, foram muito apoiados pelos pais endinheirados de Rosário, que os pressionaram no sentido da adopção da menina. A mãe de Rosário, catedrática de História de Arte na Universidade de Santiago, morreu durante uma noite de sono tranquilo em dezembro de 2011. O pai, advogado de sucesso num tempo em que havia poucos, e que gostava tanto da neta que lhe terá destinado em testamento boa parte do património, finou-se do mesmo modo sete meses depois. A respeito destas ocorrências uma prima de Rosário levantou, na ocasião, insinuações pouco edificantes que sairam nos jornais.
Tendo ficado por explicar detalhes importantes para a reconstituição dos passos de Alfonso e Rosário no fim de tarde de 21 de setembro, mas em presença de indícios comprometedores abundantes, de contradições e de falta de explicações convincentes por parte dos arguidos, o júri pronunciou-se mesmo assim por unanimidade pela culpabilidade do casal.
Um problema central e não satisfatoriamente resolvido é o do móbil do crime. Ficou no ar a suspeita de que a menina foi morta por se ter tornado um estorvo para os pais. Conversas telefónicas entre ambos, após o crime, registadas em escutas sem valor em tribunal, mostraram que um e outro nunca mencionam a filha, estando unicamente preocupados com eles próprios. É possível simplesmente que se trate de duas pessoas que não prestam, uma delas dependente da outra por razões económicas, talvez as duas ligadas pela partilha de algo mais que os envergonha e que não podem revelar.
Fontes: El País, La Vanguardia, El Correo Gallego, La Voz de Galicia.
 
 

quarta-feira, outubro 21

Em busca da madalena

Faça-se um intervalo para as notícias verdadeiramente importantes.
De acordo com rascunhos da Recherche a serem publicados esta semana, a madalena esteve para ser uma tosta com mel.
No fundo isto não será grande novidade. O mais interessante, como agora sucede frequentemente nas notícias de jornal, são os comentários ao artigo do Guardian e em particular algum bom humor que eles transmitem. Alguns têm graça sem o saber. Gostei deste, de fflambeau

Does anyone really read Proust? I've tried several times (and I have several higher degrees and read a lot of literature). This man needed a team of editors and something to say.

e da resposta de DickenBroom:

Yes. He had something to say: "everything". And he did. Try again. It is worth it.

domingo, outubro 18

Carta ao Editor da Nature sugere suspensão da democracia

Numa carta ao Editor publicada esta semana na Nature, os subscritores afirmam:

Democratic decision-making involves multiple stakeholders, and democracy emphasizes the mutual roles of actors: all preferences are treated as equal. In many regions of the world, however, the results of democratic choices can be strongly influenced by power relations and inequitable social arrangements, owing to differences in economic development, access to technology and knowledge.
Elites may use democratic processes to entrench their status or encroach on other social goals. This can lead to incremental or undesirable results, which might explain why large democratic nations such as the United States continue to oppose progressive climate legislation.
In our view, sound climate and energy planning should not treat all stakeholders in the same way. Instead, preferences and roles should be weighted to consider criteria related to equity, due process, ethics and other justice principles. This would ensure that stakeholder discussions and resulting policies serve to eradicate, rather than exacerbate, socio-economic vulnerability to a changing climate.

Seria surpresa, se fôssemos ingénuos, o subtítulo que os editores deram à carta:
"Climate change: Climate justice more vital than democracy."

A carta responde a uma outra, de Nick Stern, que a Nature publicou em 22 de setembro sob o título mais moderado "Climate policy: Democracy is not an inconvenience", com a explicação suplementar "Climate scientists are tiring of governance that does not lead to action. But democracy must not be weakened in the fight against global warming, warns Nico Stehr."

Os ataques à liberdade de expressão vindos da academia não são surpresa. No caso das ciências ditas do clima, as guerras são bem conhecidas. O tema fornece pretextos magníficos aos que pensam que as coisas só estão bem se forem eles a mandar. As universidades estão cheias de pessoas que pensam assim: para além de muitos e variados exemplos, basta observar como têm recentemente vindo a gerar os quadros fundadores de partidos de vocação totalitária escondidos sob o nome de algum verbo.

Ainda há dias Philippe Verdier, meteorologista na France 2, foi afastado por ter publicado um livro herético. Num tempo em que revistas científicas se dedicam à grande política, não podemos surpreender-nos.

 

sábado, outubro 17

Centenário

Passa hoje o centenário de Arthur Miller, um dos grandes dramaturgos do século passado. Criticou a amoralidade do capitalismo e também a duvidosa ética de algumas das suas vítimas da classe média. Na sua obra prima, Morte de um caixeiro viajante, não há rapazes bons.

BIFF: No, you’re going to hear the truth — what you are and what I am!
LINDA: Stop it!
WILLY: Spite!
HAPPY (coming down toward Biff): You cut it now!
BIFF (to Happy): The man don’t know who we are! The man is gonna know! (To Willy) We never told the truth for ten minutes in this house!
HAPPY: We always told the truth!
BIFF (turning on him): You big blow, are you the assistant buyer? You’re one of the two assistants to the assistant, aren’t you?
HAPPY: Well, I’m practically —
BIFF: You’re practically full of it! We all are! And I’m through with it. (To Willy.) Now hear this, Willy, this is me.
WILLY: I know you!
BIFF: You know why I had no address for three months? I stole a suit in Kansas City and I was in jail. (To Linda, who is sobbing.) Stop crying. I’m through with it. (Linda turns away from them, her hands covering her face.)
WILLY: I suppose that’s my fault!
BIFF: I stole myself out of every good job since high school!
WILLY: And whose fault is that?
BIFF: And I never got anywhere because you blew me so full of hot air I could never stand taking orders from anybody! That’s whose fault it is!
WILLY: I hear that!
LINDA: Don’t, Biff!
BIFF: It’s goddam time you heard that! I had to be boss big shot in two weeks, and I’m through with it.

quarta-feira, setembro 30

Domingos, intuição e emoção

Votar para escolher como vamos ser governados é um assunto sério. Mas votamos em face de escolhas racionais? À primeira vista não há razão para o negar. Assim, a visão mais simples do que se passa num domingo de eleições é que cada um vota de acordo com o julgamento que fez das políticas em competição, tendo naturalmente em vista a que intui que melhor se ajustará à satisfação dos seus interesses ou de um interesse colectivo.

Na verdade não me parece que seja bem assim. Estou a conjecturar gratuitamente, eu sei, mas olhar para o que se passa dá-nos o direito de formar algumas convicções. Ora eu estou convencido que uma enorme parte dos eleitores age nos tais domingos em função de uma adesão emocional, não totalmente consciente, a certa área ou linha do espectro político. Assim, aquilo que se escolhe ao domingo pode ter pouca relação com a inteligência de cada um ou com a sua capacidade de ler a realidade sem preconceitos. Daí que, por exemplo, pessoas inteligentes e com honestidade a toda a prova votem descansadamente em dirigentes que no mínimo são próximos de cliques mergulhadas em corrupção. Na melhor das hipóteses, mesmo reconhecendo essa corrupção, desvalorizam-na em face daquela que afecta os partidos adversários do seu. Pelo contrário, pessoas menos emocionais fazem a sua escolha desapaixonadamente, frequentemente pelo critério de mal menor.

Isto passa-se nos tais domingos em muitos países democráticos.

No entanto (mais uma conjectura minha) o grau de emocionalidade presente na escolha não é o mesmo em todos os segmentos de preferência política ou ideológica. O modo e o grau com que isso sucede pode variar de país para país e em função de conjunturas particulares. Na Catalunha, os independentistas reuniram uma larga adesão do eleitorado, apesar da proximidade com a cúpula dos Pujol, fortemente suspeita de corrupção. Mas de um modo geral, em Espanha ou em Portugal, a escolha motivada por adesão afectiva, inconsciente, está presente com prevalência no espaço que por comodidade classificamos como "esquerda". O enorme apoio que o PS reúne, de acordo com as sondagens, é revelador de uma fé inabalável de larguíssimos sectores de cidadãos. Enquanto os que votam na "direita" (digamos assim, para usar a terminologia habitual), lá ou cá, não o fazem embevecidos com os líderes Passos ou Rajoy, não deixa de ser admirável como uma pessoa politicamente tão cinzenta e medíocre como Costa vem alimentando sonhos de regresso a um paraíso perdido.


domingo, setembro 20

Duas ou três coisas que me chamaram a atenção nos jornais, hoje

Foto de praia com menino morto: Mário Vargas LLosa resume o problema da emigração massiva em direcção à Europa. O diognóstico feito com o bom senso que é tão difícil de aplicar no mundo real.

A foto do menino afogado aparece também em destaque na revista do ISIS (sim, claro que têm uma revista) com a advertência de que sair das terras do Islão para as dos infiéis é pecado muito grave. O ISIS culpa os emigrantes sírios de causarem a perdição dos corpos e das almas dos seus filhos. Naturalmente, o ISIS quer ser ele próprio a fazê-lo.

Também hoje vários jornais europeus (El País, El Mundo, Telegraph) e dos EUA (NY Times, WaPo) noticiam com algum destaque a morte aos 77 de Jackie Collins, escritora prolífica e adorada pelos leitores. Aproveitei para querer saber quem era a senhora. Escreveu mais de 30 livros com descrições de sexo explícito, e vendeu milhões de exemplares. Parece que aos 13 anos já lia Harold Robbins.

A secção light do El País contém dicas valiosas para homens que queiram enviar uma primeira mensagem de aproximação amorosa. Precioso o alerta contra erros ortográficos: dão equivalência ao mau hálito.

sábado, setembro 5

r > g

Está fora de dúvida que não tenho tempo de ler o novo Capital de Picketty, mas felizmente há um resumo em quatro parágrafos no Economist. Pelo que se lê nos comentários, o resumo não é muito apreciado, mas a recomendação de Bill Gates tem o seu peso.

domingo, agosto 23

Alguém está a exagerar

O terrorista do comboio "não compreende como é que esta história assumiu tais proporções" e com razão. Com o à vontade  de que goza para viajar para fora e dentro da Europa e com o sossego e tempo livre que lhe deixam para se dedicar a encontrar armas de guerra perdidas em parques, e para viajar em TGV, o que mais surpreende é que se faça tanto barulho à volta do caso. Como se determinadas causas não tivessem as naturais consequências. E mesmo assim as notícias são discretas e muito cautelosas. Por exemplo, só no La Razon nos informam de que estava previsto provocar um grande incêndio à entrada de Paris.


terça-feira, agosto 11

Teoria da literatura de praia


Nem só o Correio da Manhã, a Bola e o Record são lidos na praia. O expositor de livros é imenso ao longo do areal, e mesmo com um olhar distraído fico a saber que há títulos que de outro modo não me chamariam a atenção. Não tenho dados fiáveis, mas diria que este verão o top das leituras vai para a rapariga no comboio.

É provável que o "policial" tenha um atractivo especial. O que um leitor pretende é que lhe contem histórias, e o mistério que envolve um crime confere ao conto o picante procurado.

Há dias atrás gostei do título "A verdade e outras mentiras", exibido com destaque num expositor, e comprei o livro sem me aperceber de que estava na categoria dos policiais. Não vou lamentar-me, não: foi um passatempo interessante, mesmo que desde cedo fosse visível uma certa artificialidade do enredo. A narrativa é leve, como convém, por vezes pontuada por uns ditos que oscilam entre um bom achado, o bem humorado, e o mau gosto gratuito. Sem surpresas, o livro comporta-se mais como um eficaz script para tv ou cinema do que como uma novela de qualidade.

Qual é a distância entre esta "verdade e outras mentiras" e um livro fascinante? Para além da inverosimilhança exibida sem cerimónia (por vezes parece que estamos a ler as versões que os autores de delitos compõem para se justificarem), confiar ao narrador omnisciente aquele entramado todo só pode reforçar a impressão de que tudo se vai desenrolando com a ajuda de uns truques e toques de magia. Há uma personagem má (o protagonista), o que é bom, mas não mau a tempo inteiro, o que é mau; a Martha, coitada, não tem credibilidade, e o perseguidor Fasch é pouco mais que redundante.

O criminoso sabe, e repete, que é necessário um cuidado imenso para não deitar tudo a perder por algum detalhe ou partida do acaso. É esse toque de realidade que falta na novela: mesmo que o mau escape sem castigo, o leitor prefere que ele tenha estado em muito maior risco de se perder. Apesar de tudo, o livro entretém e fica bem em qualquer biblioteca à beira mar.

Post scriptum: A internet está cheia de recensões entusiásticas que o livro, quanto a mim, não merece. A crítica mais certeira encontrei-a no Cabaret Bizanzio.



domingo, agosto 9

As questões difíceis

Os pré-candidatos já falam todos os dias. Falam em circuito fechado, limitando-se por vezes cada um a desdizer o adversário. Por vezes até falam de temas importantes. Tecem algumas controvérsias onde a artificialidade fica à mostra e em que são difíceis de discernir as linhas de clivagem.

Para lá dos aspectos anedóticos que recentemente nos têm sido oferecidos (a comédia dos cartazes), adivinha-se uma campanha enfadonha e difícil de suportar.

O que mais me impressiona por parte da oposição é o ar estonteado e caótico como são geridas as intervenções. É admirável a futilidade com que esta gente, que parece saída de um curso de formação apressada para candidatos a governantes, se propõe liderar o país. Quanto tempo investem a reflectir e a estudar os problemas difíceis, aqueles com que vão (vamos) ser confrontados no futuro muito breve, num mundo perigoso, e que transcendem as pequenas variações em torno de cortes e reformas sob orientação da Europa (digamos assim, por comodidade de expressão)? Que opinião têm sobre os resultados das primaveras no norte de África e na Síria? Como valoram as actuações passadas de Sarkozy, Cameron e Obama, que opinam sobre actuações futuras da Europa neste âmbito? Como encaram a tragédia do Mediterrâneo? Pensam que Portugal não vai ser afectado pelas rotas, que por agora terminam em Calais, dos que fogem da miséria e da morte? Têm opinião sobre o acordo nuclear com o Irão? Já ouviram falar do IS? Estas seriam algumas das questões interessantes, embora pouco agradáveis, que os que aspiram a ser governo deviam abordar e trazer para a discussão com os adversários. Não o fazer significa que quem quer que nos governe se prepara para ir a reboque dos mais influentes, abdicando de uma contribuição própria, quando no futuro houver a realidade impuser acção.

domingo, maio 17

Teoria do injusto ascendente

Há uns minutos, num jornal da TV, dizia uma avó, ex-professora primária, que não dava ajuda à neta para preparação do exame de Português que vai ter de fazer esta semana. A razão da senhora é muito simples: não concorda nada com o programa da disciplina e portanto não está disposta a preparar a criança dentro do espírito de uma coisa que reprova.

As razões da avó são muito diferentes das que levariam Swift e Brighouse, dois filósofos ou assim australianos, a louvar mesmo assim a sua atitude de recusa. Para Swift e Brighouse, o ideal seria que a avozinha, pensando em todas as crianças que não têm à disposição no ambiente familiar alguém que as ajude, tivesse decidido ela própria abster-se também, a fim de não aumentar as desigualdades neste mundo injusto. Avozinhas a ensinar, mandar meninos para colégios privados, mas sobretudo ler histórias na caminha antes de eles adormecerem, não fazem senão acentuar o fosso entre as oportunidades de uns e a falta delas para outros. Cada pai que rodeia um filho de carinhos cava mais fundo o abismo em que se encontram as crianças a quem tudo falta. Numa palavra: se os papás vão por esse caminho sem reflectir, os felizes ficarão cada vez mais felizes e os desafortunados cada vez mais tristes. De resto, segundo estes pensadores, com uma escolha tão ampla à disposição, nem se percebe porque é que os pais biológicos têm que assumir necessariamente o papel de "pais" como educadores da criança. O próprio número de pais (dois) pode ser também posto em causa: porquê dois? Mas pronto, estes intelectuais também não querem fazer publicidade à dissolução da família e concedem que 10 seria um pouco exagerado, nem que fosse por razões práticas.

domingo, abril 5

Morte de um homem feliz

Manuel de Oliveira viveu uma vida interessante e feliz. Mestre de vários ofícios, com destaque para o de realizador de filmes, tirou o melhor partido das oportunidades e, seja porque fez filmes pouco convencionais ou porque caiu nas graças da crítica francesa e da indústria internacional dos festivais, ofereceu a Portugal um lugar, ainda que imaginário, no mapa do cinema mundial.

Gostei de bocados de filmes dele e cheguei a gostar de um filme inteiro. Por alturas do Quinto Império, não me apeteceu ficar até ao fim.

Oliveira é agora um curioso elemento de consensualidade, ao menos ao nível dos depoimentos em formato de epitáfio. Como com Amália ou Eusébio, mas num campo de acesso infinitamente mais restrito (o cinema que quase ninguém vê), o seu desaparecimento tornou imperioso que todos construissem a pequena frase de veneração. Sem falar já dos colegas e actores e de outras pessoas ligadas ao cinema aqui e em França, os altos representantes do estado fizeram a sua pronúncia (suponho que com grande parte da elite tuga a olhá-los com desprezo, por não serem pessoas cultas à altura do falecido; mas se não falassem seriam deprezados na mesma), acompanhados por representantes de partidos (oportunidade para vermos a Catarina em pose não irritada), dirigentes do ACP, da FPF, Comissão Episcopal, etc. Houve até um excêntrico (descrito num jornal como "investigador") que aproveitou para acenar à criação de uma disciplina de cinema nas escolas secundárias.

Tudo isto não tem mal nenhum, talvez pelo contrário, mas cria a ideia de que os portugueses são dados à extravagãncia em matéria de homenagens. Daí a podermos recear ausência de critério vai um passo. Com um tão abrangente e expressivo memorial, ficamos perplexos com este quadro, sabendo que Manuel de Oliveira realizou 7 longas metragens a partir de 2004. Mesmo que todos os  representantes parlamentares, bispos, corpos dirgentes do ACP ou da FPP tenham visto ao menos uma delas, é óbvio que aqueles que representam não estiveram em sintonia.

sexta-feira, abril 3

A desconfiança do escrevedor

José Sócrates construiu a sua própria personagem, a começar pelo nick em que o nome de família não entra. Personagem de um roman-feuilleton pós-moderno, é autor da sua própria narrativa ficcional, inverosímil, a mascarar uma realidade composta de fragmentos desconcertantes que lhe comprometem irremediavelmente os primeiros e rombos drafts.
Entre as peripécias que tem vindo a protagonizar, os episódios que poderíamos classificar como menores, do ponto de vista de poderem, ou não, conter matéria de delito, são muito interessantes. O episódio do livro, noticiado nos últimos dias, é certamente um dos mais instrutivos sobre os comportamentos da pessoa em questão. Para se atribuir notoriedade e prestígio intelectual, um homem a quem não se conhece nenhuma reflexão sobre nada, e que fala um francês medíocre, apresenta uma tese numa faculdade francesa e publica-a em português com um sucesso de livraria que ele próprio instrumentaliza. Este é sem dúvida um dos capítulos mais engraçados da auto-novela em construção. Para qualquer observador medianamente desperto, há muito que a dúvida sobre a autoria do “mémoire” bilingue se levantava. Tendo sido apontada como explicação para a compra maciça da “Confiança” a simulação de sucesso, parece-me que pode haver outra: ao tornar o livro indisponível, ele escapa melhor a eventuais atenções e escrutínios que poderiam ter resultados incómodos. Por exemplo, a possibilidade de ficar a descoberto a mais que provável chateza da obra, seja lá quem for que a escreveu: não devo errar muito ao presumir que se trata de uma colecção de previsíveis lugares comuns sem interesse editorial. Após a encenação do lançamento, a que se prestaram algumas figuras do nosso inflacionado estrelato político e intelectual, abrilhantada por Lula como guest star, nunca mais se ouviu mencionar do livro uma só linha. A obra foi a encenação. Enquanto o autor (por assim dizer) se preparava para o fazer desaparecer das livrarias, os oportunistas ou tontos úteis escreviam prefácios, posfácios e badanas para as edições seguintes. Se já tinha perdido a confiança no mundo não sei, mas parece que no título que subscreveu não tinha lá muita.

domingo, março 22

Andaluzia: 2015, princípio ou fim de uma ilusão



Os nossos vizinhos andaluzes têm hoje o seu dia de protagonismo no grande laboratório político onde novos produtos vão ser testados. Comunistas mal disfarçados por terem verbo em vez de nome, e o novo grupo do centro que por agora parece ser o que menos gente corrupta inclui, aparecem a desafiar o "bipartidismo" conservador dos fósseis PSOE e PP. Que grandeza revestirão as minorias dos novos insurgentes? Que peripécias terão de enfrentar no jogo de aproximações que poderá abrir-se? Que aliança queimará mais quem convida e quem aceita? Para os menos optimistas, tudo dará uma volta de 360º. A ilusão segue até às 20:00, hora de Sevilha.

domingo, fevereiro 15

Albert, o cidadão



Estamos no tempo dos políticos bonitos. Mas os eleitores não se deixam  levar: a música que mais agrada aos ouvidos de cada um continua a ter um papel determinante na popularidade. Como em Tugal não se passa nada de novo, olhemos para os vizinhos do lado. Assim, enquanto Pedro Sánchez não segura o desmoronamento do corrupto PSOE, os eleitores declaram manter fidelidade ao insípido e corrupto PP e uma adesão sem precedentes a um grupo "fora do sistema", as múmias comunistas do Podemos que, sendo feias, já estão no poder em Atenas e até têm um ministro alegadamente giro.

De Albert Rivera fala-se muito menos. No entanto, ele é provavelmente a novidade mais interessante da oferta espanhola para a nova estação eleitoral. Catalão, espanhol, rosto dos Ciudadanos, que tem subido nas sondagens a um nível modesto mas significativo, é individualmente o político mais bem avaliado pelo público. É um homem de qualidades: suficientemente hábil no discurso, evita a banalidade e a redondeza, ao mesmo tempo que revela um sentido de humor pronto a disparar. Nesta presença no Hormiguero, tem alguns momentos muito bons. A meio do programa há uma sondagem aos espectadores presentes: Que faria com Rivera? 1- votava nele, 2- dava uma cambalhota com ele, 3- não sei quem é, 4- punha-lhe um rabo de cavalo. No resultado, entre 110 votantes, 41 respondem 1 e 26 respondem 2; Albert comenta que uma coisa não exclui a outra. Sobre a recente saída de Bárcenas da cadeia sob fiança, comenta: o homem tem 48 milhões e 200 mil e pediram-lhe os 200 mil. No fim, mostra a habilidade em polemizar, argumentando a favor da "tortilla" com cebola. A frivolidade não é um tema menor!

Já agora: Juntos Podemos é, antes de ser nome de um alegado partido tuguês (que a nossa Joana descobriu que afinal não podia), o título de um livro de  Albert Rivera, editado há um ano.


domingo, janeiro 4

Um amor de Madame

Na Femme abandonnée, Balzac narra os amores de Madame de Beauséant com Gaston de Nueil. A pequena novela contém dois temas caros ao autor: dois amantes com diferença de idades que leva ao rompimento, e a contradição entre amor e casamento como instituição social.

A Madame, que nunca é referida pelo seu nome próprio (Claire), vive em solidão na sua residência de Courcelles, depois de o seu amante português ter rompido para se casar. E é uma reprise desta história que vai viver com Gaston, desta vez com o enquadramento homem jovem - mulher mais velha como ameaça em pano de fundo. No início, Gaston tem 22 anos e ela está a atingir os 30. Depois de alguma resistência ao ímpeto conquistador do rapaz, a cedência de Madame dá lugar a um período de intensa felicidade, cerca de nove anos de vida a dois em Genebra. Os problemas surgem quando Gaston passa os 30 e Madame (cujo marido, de que há muito se separou, continua vivo e de perfeita saúde) chega aos 40. Vence a pressão da mãe para casar o rapaz: é tempo de fazer a sua vida de homem.

As cartas têm um papel de relevo na exposição de sentimentos das personagens, que frequentemente comunicam entre si por longas mensagens escritas. Na que envia a Gaston, quando pressente que o fim da relação está iminente, Madame revela conhecer e compreender a separação que aí vem; serve-lhe de consolo que mais nenhuma mulher o terá como ela o conheceu - no fulgor da juventude e sem as inquietações que a "vida de homem" lhe irá trazer no rolar dos dias. A senhora que se segue não irá encontrar o Gaston que ela amou, nem no corpo nem na alma.

Gaston abandona Madame e casa, como previsto, com uma rapariga nova e rica. Certo dia, a saudade de Madame torna-se-lhe insuportável e vai de improviso visitá-la. Madame repele-o, ameaçando que se atira da janela. De regresso a casa, Gaston escreve uma carta a Madame, declarando que se trata de um caso de vida ou de morte para ele. Senta-se à lareira, em frente da esposa, enquanto aguarda que o mensageiro traga a resposta. Quando esta lhe é entregue, Gaston pega na espingarda de caça e mata-se.

O narrador termina explicando que a Madame não deve ter previsto onde poderia levar o desespero de Gaston. Possivelmente pensava que só ela estaria a sofrer. Mas estava no seu direito de recusar a mais humilhante das partilhas, "que uma esposa pode sofrer por razões sociais, mas que deve repugnar a uma amante, já que é na pureza do seu amor que reside a própria justificação".

quinta-feira, dezembro 25

As luzes da cidade


Quando vem o natal, já se sabe que aparecem iluminações nas ruas mais comerciais das cidades. A opulência das decorações é variável com as características dos tempos que se atravessam, mais ou menos salpicados de crise. Nos arquivos deste blogue encontram-se recordações das luzes de dezembro em Lisboa ao longo de vários anos. Tanto quanto me apercebo, os últimos símbolos de alguma religiosidade ligada ao significado antigo das festas surgiram em 2006, na forma de umas figuras de anjos de depurada elegãncia que anunciavam a limpeza que iria seguir-se. Terão sobrevivido silhuetas de sinos e estrelas e pouco mais. As estrelas, com caudas ousadas, são abundantes este ano. Algumas igrejas continuam a expor presépios. Uma junta de freguesia liderada por comunistas, aqui ao lado de onde teclo, também.

Os valores

No dia do El Gordo, os jornais espanhóis contaram nas primeiras páginas: O juiz Castro leva a Infanta a julgamento no caso Noos, por fraude fiscal. Castro não acredita, portanto, que a senhora seja uma tonta que não se apercebe do que se passa em casa. Não se levantaram vozes a carpir os danos de imagem causados a Espanha pela actuação do juiz.

Ainda há pouco mais de um mês, a popularíssima tonadillera Isabel Pantoja iniciou o cumprimento de uma pena de prisão efectiva, condenada por delito que também se mede em milhões de euros.

Outros indiciados notórios, envolvidos em situações de enriquecimento ilícito (Bárcenas, Matos...) continuam sob investigação. Sobre dez membros da muito notória família Pujol pendem os indícios do costume: fraude fiscal, branqueio de capitais e tráfico de influências.

Uma historieta de enganos e burlas, rondando a comédia, a das incríveis aventuras do "Pequeno Nicolás", como enternecidamente lhe chamam os media, está também a animar a tele-realidade aqui ao lado.

Na mensagem de Natal de ontem, o rei afirmou:
 
...quiero añadir ahora que necesitamos una profunda regeneración de nuestra vida colectiva. Y en esa tarea, la lucha contra la corrupción es un objetivo irrenunciable.
Es cierto que los responsables de esas conductas irregulares están respondiendo de ellas; eso es una prueba del funcionamiento de nuestro Estado de Derecho.

Quando a própria irmã vai ser levada a julgamento, o significado destas palavras é, sem ambiguidade, o de um respeito necessário pela moral, mais do que pelas estruturas formais do Estado. Certos "republicanos" da nossa aldeia, recentemente dados à gritaria em defesa de um indiciado das suas hostes, têm muito a aprender com os valores implicitamente enunciados pelo rei Felipe.

domingo, dezembro 14

Um AVE das Arábias

Enquanto a corrupção e as discussões sobre se há ou não recuperação da economia tomam conta das aberturas dos noticiários, lá como cá, os vizinhos ibéricos estão agora a fechar um negócio de muitos milhões e alta tecnologia. Um comboio de alta velocidade, fabricado em Las Matas, Madrid, está a caminho da Arábia Saudita. Irá ligar Meca e Medina a 300 km/h, com equipamento especial para enfrentar tempestades de areia e as enormes amplitudes da temperatura local. Tem todos os ingredientes para se tornar notado como um sucesso da engenharia. Haverá ligações de 10 em 10 minutos, garantidas por 35 composições. Um AVE especial de luxo (porque de corrida são todos) estará destinado à família real.

Tal como se diz na publicidade dos automóveis, nenhum detalhe foi esquecido a pensar na comodidade dos passageiros, desde portas niveladas para facilitar o acesso de quem veste túnica até à previsão de espaço para transporte de garrafas de água sagrada, um extra importante da bagagem. O progresso não pára. Nem que seja para facilitar a vida aos seguidores de uma tradição que parece excluí-lo.

quinta-feira, dezembro 4

Some like it phony

Foi muito notada e comentada a entrevista que há poucos dias uma figura razoavelmente mediática deu à RTP. À pergunta da entrevistadora sobre o tema da conversa que o entrevistado tivera com outra figura muito mediática, a resposta foi

"... livros".

Este bocado da entrevista deixou-me bem disposto. Há pessoas que têm graça, ou convocam a graça, sem saber. Porque  de imediato me subiu à memória uma passagem da minha comédia favorita: Some like it hot. É um filme bem conhecido do grande público. Na cena, o rapaz do contrabaixo (Jerry, feito por Jack Lemmon), por acaso travestido de rapariga, toca um instrumento que mostra uma fiada de buracos obviamente provocados por balas. Sue, a chefe de orquestra, pergunta-lhe com ar desconfiado:

Como é que esses buracos vieram aí parar?

Jerry, olhando para baixo, titubeia:

Ah, isso aí... Não sei...
Ratos?

O colega do sax, Joe (feito por Tony Curtis), também travestido no momento, tenta ajudar acrescentando:

Comprámo-lo em segunda mão.

A entrevista foi menos engraçada que isto, mas valeu a pena a evocação.

domingo, outubro 26

Se demolissem não arrasavam tanto

Hoje deu-me para pesquisar a ocorrência do verbo arrasar nos títulos de dois tablóides influentes, cada um com o seu segmento preferencial. Por comodismo, limitei-me às aparições do verbo no corrente mês de outubro. Um estudo mais aprofundado pode ser interessante mas será mais adequado que algum especialista em coisas sociais pegue nele.

Então é assim: o PÚBLICO sai vencedor com três arrasadelas:

DATA     ARRASADOR   ARRASADO

24/10        Reitores              avaliação

16/10        Ferreira Leite      governo

5/10          Marinho e Pinto  partidos

As presenças no CORREIO DA MANHÃ são duas:

DATA       ARRASADOR                        ARRASADO

24/10         auditoria interna às contas       Gomes Pereira

9/10           [António] Costa                       ???

Nesta última ocorrência, o verbo é utilizado numa acepção gramaticalmente criativa, sem complemento directo, embora o sentido da notícia permita colocar Passos Coelho no lugar do arrasado.

Compreende-se a sobreutilização do vocábulo: a possibilidade de alternância com demolir é inviabilizada pelo facto de este ser um verbo defectivo, o que obrigaria a construções sintáticas menos sedutoras em títulos tablóides.

Hoje há eleições no Brasil. Esperando-se um vencedor com folga ligeira, os títulos de amanhã vão ser com certeza menos repetitivos. Muito provavelmente, o verbo vai ter um descanso merecido. Vamos ver até quando.

domingo, outubro 19

O outro pecado do plagiador

As revelações de plágio que culminaram com uma demissão de um secretário de estado têm entretido e suscitado excitação em algum público.
Adoptar textos de outros sem referência, apresentando-os tacitamente como do próprio não é bonito, não. No site do jornal há exemplos de excertos copiados. Eis uma amostra:

O professor é um cidadão, o que lhe confere uma dimensão cívica e política incontornável. (...) é uma pessoa com sentimentos, valores, preocupações e emoções (...) a sua dimensão humana, moral e afectiva não pode ser negligenciada (...) tem igualmente uma dimensão organizacional e associativa, integrando uma cultura profissional específica

...a escola tem de afirmar a sua missão intelectual e social no seio da sociedade, contribuindo para a garantia dos valores universais e do património cultural...

Em face disto e do restante, julgo que o pecado maior de Granjo não foi devidamente sublinhado: o plágio de trivialidades denota uma grande ausência de critério. Ao mesmo tempo, no entanto, põe a nu, para quem quiser ler, a produção de textos burocráticos de escrita automática, ao abrigo da chancela e do prestígio das instituições académicas.

quarta-feira, outubro 1

Estimular o crescimento


Também assinalando o dia mundial da música: com a música e o fino humor de um génio do nosso tempo.

domingo, setembro 28

Sem adicionantes nem adjectivantes

No Prospect.

Números

Há em França uma linha telefónica verde para assinalar perfis inquietantes de prováveis jihadistas. Foi também recentemente criado um departamento, no âmbito do ministério da Justiça, cuja designação é uma delícia estruturalista mas que fornece dados interessantes. O CPDSI, ou Centro de prevenção contra as derivas sectárias ligadas ao islão, tem informações provenientes de 130 famílias que atestam a radicalização dos filhos. São famílias sobretudo de classes média ou média alta: parece que entre as classes mais baixas a denúncia é evitada por receio de consequências. Os dados traduzem-se nos números seguintes: 80% de ateus, 60% de pais professores, 90% de classes médias e altas. A notícia está no  Le Figaro.

domingo, setembro 14

Esta é boa

Quando Jesus se dirigiu à multidão desafiando quem estivesse livre de pecado para atirar a primeira pedra à adúltera, apanhou uma pedrada na cabeça. Ó mãe! gritou ele, quantas vezes te disse que ficasses em casa?

Lido no Café de Ocata.

segunda-feira, setembro 8

A vida de Julie segundo um escrevedor genial


Antes de mais, acreditem que sou apreciador incondicional de Balzac. Mas quando este verão me pus a ler a Mulher de Trinta Anos não sabia que iria acabar por abandoná-la antes do fim, terá ela os seus cinquenta e tais. Quem conhece o magnífico Tia Julia y el escribidor, de Vargas Llosa, perceberá porque é que a evocação dessa novela fica presente na mente do leitor à medida que avança na Mulher de Trinta. Mas não nos iludamos: Balzac tem um humor subtil e não é daqueles que tem graça sem saber.

Mas, por muito boa que seja a escrita, achei que já tinha aguentado guinadas e piruetas bastantes. Vamos ver. A primeira, suave, dá-se quando somos informados de que Victor, com quem Julie casa por amor aos vintes contra a vontade do pai, afinal não presta. Não lhe dá valor, é distante e ainda por cima vaidoso, colérico e um mulherengo infiel. A rapariga é infeliz até dizer chega. Apesar de não haver informação prévia nesse sentido, quem sou eu para duvidar. Gente medíocre é o que há mais por aí. As longas ausências do marido e um tal Lord Grenville a rondar a porta permitem o eclodir de uma nova paixão às escondidas. Balzac trata-os de “aimants” mas informa que não chegam ao conhecimento carnal. De resto, quando durante uma ausência de Victor isso poderia estar quase a suceder, o marido volta a casa de repente e o Lord refugia-se no parapeito exterior de uma janela para salvar a honra de Julie. Sabemos duas páginas a seguir, pela fala de uma personagem secundária, que o desgraçado terá morrido de resfriado. Victor nunca chega a suspeitar de nada: não acha a mulher suficientemente boa para incendiar corações.

A morte de Grenville vai marcar os anos seguintes da vida de Julie com o estigma da culpa. A filha, Hélène, não é fonte de alegria. Julie não lhe consegue dar ternura. Mas eis que entra em cena Charles de Vandenesse, em trânsito para o lugar de embaixador em Nápoles. Depois de comparações entre o casamento e a prostituição, um romance platónico de Charles com Julie avança e recua. Chega um momento em que as coisas aquecem a ponto de Charles, que decide afinal ficar em Paris, tocar a mão de Julie e a beijar na face, mas eis que de novo Victor entra inesperadamente. Diga-se de passagem que Victor não percebe nada do que vê, e pensa que Charles desiste do lugar de embaixador para não perder a oportunidade de caçar a herança de um tio bem colocado. (É burro, coitado, não há nada a fazer, pensa Julie.)

O capítulo seguinte abre com uma cena que o narrador descreve na primeira pessoa. Somos levados a presenciar o efusivo encontro de Julie e Charles num belo enquadramento do Paris moderno. Há duas crianças: Hélène e Charles, irmão mais novo e com traços físicos diferentes. Charles é loiro como o outro Charles. (Como o marido não percebe nada, teve a lata de pôr à criança o nome do amante, pensa o leitor.) A menina recusa-se a brincar com ele e a mãe enfurece-se com ela. Quando a mãe se despede do amante, Hélène afasta-se e o irmão pergunta-lhe porque é que não vem despedir-se do seu bom amigo. Hélène lança-lhe “o mais horrível dos esgares que jamais se viu nos olhos de uma criança” e empurra o menino, que desaparece na corrente do riacho.

Não ficamos a saber como terá Julie explicado lá em casa a funesta ocorrência, o que daria para um outro romance. A acção avança três anos, estando Julie e Charles a jantar com um notário e mortinhos para ele se ir embora para aproveitarem a ausência de Victor (um paradigma situacional), que fora ao teatro com os filhos (Hélène e Gustave). Mas antes da saída do notário eis que de novo, inesperadamente, entra Victor com os miúdos. A peça de teatro andava à volta de um drama numa torrente, e Hélène, pelas razões que o leitor sabe mas Victor não, tinha-se sentido muito mal.

Passam mais alguns anos e estamos na casa de campo de Victor e Julie, que agora têm mais dois filhos, Abel e Moina. É noite de natal e um aflito toca à porta: o homem está a ser perseguido pela gendarmerie e Victor dá-lhe guarida por duas horas no sótão. Os gendarmes chegam, dizem que há um assassino em fuga e, enquanto Victor fala com eles e garante que não viu ninguém suspeito, Julie manda Hélène ver quem é o estranho. Daí a pouco Hélène e o assassino descem à sala e anunciam nem mais nem menos que vão fugir juntos.

Logo a seguir ficamos a saber que isto foi apenas um aviso do destino. Um desastre financeiro arrasta a ruina de Victor, que é obrigado a emigrar para reconstituir a sua fortuna. Seis anos depois regressa a França num navio espanhol. Na aproximação a Bordéus o barco é abordado por um navio pirata. Victor escapa de ser lançado ao mar porque o capitão do navio pirata o reconhece: é nem mais nem menos que o assassino com quem Hélène fugira. Victor reencontra no navio pirata nem mais nem menos que a filha Hélène, no posto de mulher do capitão, enfeitiçada pelo companheiro como na noite de natal em que se tinham conhecido. O pai despede-se da filha enquanto o barco onde tinha viajado se consome em chamas atiçadas com garrafas de rum.

Meses depois de ter recuperado a fortuna, Victor morre, cansado da vida. Julie leva a filha Moina a viajar aos Pirinéus. Hospedam-se num hotel onde não conseguem dormir à noite, porque no quarto ao lado uma criança geme sem parar. No dia seguinte vão ver o que se passa: a hóspede é nem mais nem menos do que Hélène, e a criança que geme o único filho que conseguira salvar de um naufrágio. À vista de Julie e Moina, morre o menino e morre Hélène. Esta deixa à irmã um aviso: não se encontra a felicidade fora das leis. Cerrados os olhos de Hélène, Julie explica melhor: uma menina não encontra nunca a felicidade numa vida romanesca, fora das ideias com que foi educada e, sobretudo, longe da mãe.

No início da última parte (“Velhice de uma mãe culpada”) sabemos que Gustave e Abel faleceram e que Julie, embora parca em afectos, fez o seu melhor para garantir o futuro tranquilo de Moina. Este instante de tranquilidade relativa, não sei se fugaz, pareceu-me uma boa altura para o leitor se retirar. Nem mais nem menos.

sábado, setembro 6

A descoberta da caridade

Newton descobre a caridade. The Spectator

sexta-feira, setembro 5

Depoimentos


De Paulo Penedos disse Mário Soares, em depoimento escrito enviado à juíza titular do Face Oculta, que se tratava de "uma pessoa séria, inteligente e conscienciosa".
A propósito de José Penedos afirmou Jorge Sampaio, como testemunha abonatória, "Quem é influenciado e afectado [pelas ofertas], é porque não tem capacidade moral. Não quero com isto dizer que não haja pessoas que tentem fazer coisas menos dignas, mas não é o caso da pessoa por quem vim depor".
Estas palavras de apoio, mesmo cautelosas, não têm nada de extraordinário em si mesmas, até porque o conhecimento e mesmo a proximidade de uma pessoa não nos dá acesso a todas as facetas do seu comportamento.
No entanto, dado o peso político e institucional das pessoas que as proferiram, é óbvio que se tratou de usar o prestígio e a autoridade moral de que gozam em favor dos visados no processo. E sabemos agora que em alguma coisa que em nada os recomenda eles estiveram envolvidos, dada a relativa dureza das penas ontem anunciadas.
É inevitável que olhemos com muita cautela para as opiniões e posições de apoio de figuras como estas, que mostram dificuldade em ler a realidade para além da aparência mais imediata.

(É certo que sobre Vara nem Sampaio se enganou, após o escândalo ocorrido com uma Fundação que usava Rodoviária no nome. Mas nem isso parou a ascenção de Armando: pelo contrário, mão amiga se encarregou de o catapultar. A história está recordada aqui. )

sábado, agosto 16

Novos rankings de universidades

O novo ranking de Shanghai já está aí e os jornais já disseram o que mais salta à vista a respeito das nossas escolas: a geração mais bem preparada de sempre estuda em universidades que não aparecem nos primeiros 200 lugares da fila.

Alguns resultados parciais são mais animadores: no ranking da Matemática, por exemplo, a Universidade de Lisboa surge na posição 76-100, num apesar de tudo discreto 2º lugar (ex-equo com Granada) na Península Ibérica (onde, à frente, estão a Autónoma de Madrid e Santiago de Compostela).

Pode discutir-se a elaboração do ranking e arbitrariedade de alguns parãmetros utilizados, mas ele alguma coisa há-de significar, de modo que não há inconveniente em reflectir sobre as razões deste baixo perfil, mesmo que isso não sirva para nada. De resto, o facto não tem importãncia nenhuma nem é caso para alguém andar mal disposto, como acontece, por exemplo, quando a selecção perde o apuramento para uns quartos de final.

Sendo o problema muito complexo e difícil, convém tratá-lo em termos simples. Podemos sempre adiantar, como consolação, que os problemas da universidade não são uma pecha exclusivamente portuguesa e que há quem esteja pior. Mas aqui vai um alinhamento de pontos em que haveria que intervir quando houvesse vontade de provocar mudança:

- O sistema universitário está sobre-dimensionado no seu todo. Isto aplica-se às universidades públicas e não só à explosão oportunística de privadas a partir dos anos 80. Em particular, resulta daqui que o sistema é caro e que uma parte apreciável dos cursos que vende não prestam e não interessam a quase ninguém.

- As universidades não têm autonomia, por muito que o formalismo legal o apregoe. Uma peça importante do espartilho é o Estatuto da Carreira Docente Universitária, que não permite liberdade de contratação e nivela todos pela mesma bitola. Na situação actual em que os cortes de orçamento estão na ordem do dia, o resultado é mortal: a renovação e a atracção de talento tornou-se quase impossível.

- Se há sistema que acolha as más ideias com a inocência e a pressa dos ingénuos, é o sistema universitário. Estou a pensar no embuste conhecido como reforma de Bolonha, com os seus planos de estudo insensatos, mas podem dar-se outros exemplos. O cancro burocrático que tem vindo a alastrar dentro das universidades necessita também atenção e tratamento urgente. Os responsáveis (reitores, por exemplo) costumam dizer que as suas escolas não podem funcionar bem sem mais dinheiro. Nalgum ponto terão razão, mas do que as escolas mais precisam para funcionar melhor é de tempo e de bom senso. É necessário desarticular os procedimentos que retiram aos professores o tempo e a concentração necessários para fazerem boa investigação e até para darem bons cursos, e manter as horas de docência em limites decentes.

- A articulação entre universidades e agência de financiamento da investigação científica tem constituído um despique em que as indefinições e as tensões constituem entraves que prejudicam frequentemente a optimização de resultados.

terça-feira, agosto 12

A prova e os erros

Há um aspecto que não tem sido suficientemente aprofundado quando se fala da prova dos professores: que quantidade de erros dados pelos examinandos se devem à não observação do chamado acordo ortográfico? Aqui as baterias da crítica deveriam ser apontadas ao Ministério, que pelos vistos impôs uma norma de escrita muito contestada por representantes prestigiados das classes cultas e por variados estratos da população com interesse na defesa da língua. Acho inadmissível que se tenha obrigado os professores a exprimir-se nessa linguagem simplificada, que tanto dano irá causar ao uso do português falado, e que é mais apropriada para a escrita de SMS. Disto não falaram os protestantes sindicais. (Como também estiveram indiferentes à introdução e avanço do edu-burocratês e suas consequências, para as quais acordaram apenas quando a avaliação da professora Maria de Lurdes lhes caiu em cima -- provavelmente nem se aperceberam de que estava tudo ligado). Ora a discussão em torno do "acordo" é uma matéria que faria todo o sentido tornar-se peça de resistência dos profissionais de ensino. Sobretudo quando a contagem dos erros depende da versão que se convenciona utilizar. Vigora uma imposição que não tem por detrás acordo nenhum, que tem interesse mais do que duvidoso, que vai tornar a língua mais feia e danificar a oralidade em Portugal, criando a médio prazo uma bolha de homófonas (receção vai soar como recessão dentro de pouco tempo, não acreditam?). A decência mínima seria permitir também o uso do português anterior ao “acordo”.

quarta-feira, agosto 6

Post de férias

I. Desabafo de um oprimido pelo correio electrónico.

Havia um tempo em que o correio chegava a uma hora fixa do dia e nos dava tempo para elaborar a resposta ou outros procedimentos adequados. Agora o e-mail, que usurpou as funções do outro, chega em cada momento. Ainda estamos a responder a uma mensagem e já outra se interpõe, frequentemente a alterar pressupostos da anterior. Também nos pedem frequentemente uma confirmação de leitura para garantir que não escapamos a replicar.

Também faz falta um livro de etiqueta do correio electrónico. Que diga coisas tão simples como, por exemplo, esta: enviar uma resposta a dizer simplesmente "obrigado" por uma informação recebida é falta de educação e de consciência ecológica, pois implica perdas de tempo inúteis e contribui para entulhar a nossa caixa de enviados e a caixa de entrada do correspondente. O remetente deve poder também accionar um botão que transmita a notificação: por favor não responda a não ser que tenha alguma coisa substancial a acrescentar.

II. Filmes sobrevalorizados

Muito interessante esta série de artigos do blog de Santiago González sobre alguns dos filmes mais sobrevalorizados de sempre. Assino por baixo em relação ao Clube dos Poetas Mortos, cujo pretensiosismo e mensagem rançosa identifiquei à primeira, mas confesso que gostei da Morte em Veneza até à terceira vez que vi o filme. Foi à quarta que me apercebi do kitsch e pechisbeque envolvente, mas mesmo assim continuo a recordá-lo como um objecto interessante. A cena que mais costumo recordar, com um sorriso interior, é aquela em que o empregado bancário chama à parte o Aschenbach para lhe explicar o siroco e os itinerários da peste. Também gostei dos pregões dos vendedores de morangos no Lido.

terça-feira, julho 22

Vargas Llosa, honoris causa em Lisboa

Aplausos hoje para Mário Vargas Llosa e para a Universidade Nova de Lisboa, que confere ao grande escritor o grau de doutor honoris causa.

Há uns meses atrás, Juan Carlos Monedero, um patético fascista (sem saber) do novo partido P(H)ODEMOS  e professor da Universidade Complutense de Madrid, pedia num jornal o julgamento em tribunal popular de Vargas Llosa, que qualificou de "patético democrata".

Temos que assinalar quando constatamos que na Universidade ainda há lugares onde habita a inteligência. Se os exemplos como o de Monedero proliferassem, alguém teria de perguntar, como Santiago, enquanto contempla alguma avenida triste e enevoada: Em que momento se fodeu a Universidade?

quarta-feira, julho 16

O escudo e a culpa

Frase encontrada numa notícia do EL MUNDO de hoje (itálico e negrito nossos):

En Israel, por su parte, un muerto y más de diez heridos tras 1300 proyectiles de Hamas y la Yihad. La batería Cúpula de Hierro es la culpable del reducido número de muertos y heridos al haber interceptado unos 230 que iban dirigidos a zonas urbanas. Los últimos cuatro proyectiles interceptados esta mañana los ya famosos M75 de fabricación casera de Hamas iban dirigidos a Tel Aviv.

Para lá da curiosa redacção, talvez a culpa esteja atribuída com ligeireza. Pelo menos há peritos do MIT que divergem desta narrativa, e tentam explicar com gráficos e tudo.

quinta-feira, junho 26

De Espanha, hoje

UM: Será a notícia um balão de ensaio? A Monumental de Barcelona vai ser a maior mesquita da Europa. Terá um minarete com 300 metros de altura e capacidade para 40 mil pessoas. O financiamento vem do Qatar (pelo menos a nível intermédio) e ultrapassa os 2 mil milhões. A cultura sangrenta da tourada dá assim lugar a nova espiritualidade e nova cultura onde cabem as amputações e apedrejamentos a pessoas e a inspiração para fazer saltar pelos ares pequenas ou grandes aglomerações de gente.

DOIS: A ex-Infanta no banco dos réus? Pode até ser, mas sendo incerta a permanência da acusação de branqueio de dinheiro, muitos não acreditam. Apesar de tudo, o juiz Castro reabilitou pelo menos a imagem de uma Cristina-a-Tonta que não percebe nada do que se passa na própria casa nem das andanças em que se entretém o marido. No caso Nóos, os procuradores tinham-lhe feito o favor de fingir que a julgavam mentecapta.

TRÊS: Magdalena Álvarez renuncia finalmente ao lugar dourado no Banco Europeu de Investimentos, a fim de evitar a destituição que aí viria. Envolvida no lamacento caso dos EREs de Andaluzia e formalmente já indiciada, a Senhora Álvarez retira-se por agora com direito a um salário reduzida a cerca de 10 mil euros por mês até 2017, após o que terá de se contentar com uma pensão de 4000 euros, porque, coitada, só tem 4 anos de serviço. O que ela não poderia ainda amealhar até ao fim do mandato, se não tivesse tido esta pouca sorte. Com a arrogância usual dos corruptos, declara-se inocente e vítima de perseguição política.


domingo, junho 15

Enigmas, ou nem por isso

Em face das não tão surpreendentes notícias sobre o tumulto no Largo do Rato, a questão relevante para o espectador é compreender as diferenças entre as facções que se enfrentam. O boato mais consistentemente propagado, com a anuência de meios de comunicação, instila o dogma de que o António com apelido Costa é uma figura politicamente mais forte e com mais credibilidade para "mobilizar os portugueses" (ou lá o que é) do que o António com apelido Seguro. A inesperada jogada deste último, assente em recursos de secretaria e revelando que é um homem que detesta chatear-se sozinho, instala a confusão noutro nível. Afinal, percebe-se que o de apelido Seguro é mais teso e menos panhonho do que os detractores querem fazer crer. Assim, não se percebendo nenhuma diferença de ideário entre um e outro, não havendo curriculum relevante de nenhum deles (pelo contrário talvez sim), e parecendo agora equiparadas as capacidades de ambos em politiquear, o que está em jogo é mais óbvio do que antes: uma simples guerra entre dois grupos com os respectivos cortejos de apoiantes e dependentes. Nada de extraordinário nem que não exista noutros partidos. Nem admirável é o facto de as sondagens parecerem dar o primeiro lugar ao grupo que é apoiante do péssimo governo anterior.

domingo, maio 25

Depois da reflexão

Há bocado ia tendo uma recaída que quase me levou à assembleia de voto. Ora, como o nome do blog indica, não tive o tempo necessário para dedicar atenção à feira de promessas e insultos a que se convenciona chamar campanha. Assim, fui fazer uma consulta rápida ao site da Comissão Nacional de Eleições. O resultado foi desolador e fez imediatamente arrefecer a minha fraca intenção. O sítio contém as listas de candidatos e os contactos dos mandatários. Mas não há linhas mestras, resumo, palavras-chave de programa algum. Um homem tem de andar a procurar no google e nem sempre resulta. É verdade que também podia ter telefonado aos mandatários para me tirarem algumas dúvidas, mas não me pareceu adequado. As listas estão cheias de gente quase desconhecida, com excepção de 3 ou 4 cabeças de cartaz. Pior do que isso são os nomes das candidaturas. Há um "partido da terra" (starring um advogado polémico, como os jornalistas gostam de dizer), outro "pelos animais e pela natureza" (apoiado por um maestro muito conhecido que se declara alarmado com o degelo polar) e um "livre" (assim, sem nenhum substantivo, que péssimo aspecto). Além disso há um nítido excesso de escolhas socialistas e comunistas. Há uma CDU que aparece com o nome de Coligação Democrática Unitária e também Coligação Unitária  Democrática. Deveria haver um ente regulador da estética dos actos eleitorais. Achei a informação um pouco abandalhada. Deixo-me estar.

quinta-feira, maio 1

Das instáveis renováveis

Num tempo de dirigentes frouxos, asserções estereotipadas e discursos suporíferos, na República Checa há alguém que fala pela própria cabeça. É o presidente Milos Zeman. De esquerda, ou populista, como o descrevem os meios do arco da comunicação. Haja quem se preocupe em manter os ouvintes acordados.

domingo, fevereiro 9

A "política científica" nos jornais

Com a diminuição do número de bolsas oferecidas pela FCT, chega ao grande público o debate em que organizações de bolseiros e órgãos universitários por um lado, e pessoas do governo por outro, se enfrentam em posições extremadas. Os jornais fazem a sua investigação: ainda hoje o PÚBLICO dá grande destaque a um artigo cujo título ("Governo legitima mudança na política científica com dados descontextualizados") é uma tomada de posição. No calor do debate, não tem sido muito lembrado que temos um Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia, que este conselho tem emitido pareceres e recomendações, e que eles parecem estar muito bem arrumados em alguma gaveta.  Em particular, são interessantes as sugestões sobre o que interessaria modificar nos estatutos da carreira docente universitária e da carreira de investigação. Mas esse debate é possivelmente menos entusiasmante e menos susceptível de alinhar unanimismos do que o da contagem dos euros gastos em bolsas. Entre os temas desagradáveis a discutir estão as vantagens e inconvenientes da tenure, e os espartilhos do actual estatuto de carreira, que congela os horários semanais em limites perversos e não permite diferenciar salários.

 Afinal, sempre é mais fácil olhar para uma folha de Excel do que ir ao fundo de questões incómodas - particularmente para as universidades.

sexta-feira, fevereiro 7

Titulite

A tendência de alguns políticos profissionais para se apresentarem publicamente com currículos académicos meio falsos ou simplesmente suspeitos não é uma originalidade portuguesa. Na verdade, tanto o nosso ex-PM como Relvas podem considerar-se modestos ao ficarem-se por licenciaturas executadas com um cuidadoso "tuning". Há dois dias, o El Mundo denunciava que Pilar Rahola - figura de relevo nos meios políticos catalães - enriquecia as suas biografias oficiais com dois doutoramentos falsos.

Na sequência desta notícia, Santiago González revela, no seu blogue, um punhado de outros casos.

A titulite é possivelmente uma doença ibero-americana. Por cá, no Brasil e na América do Sul, ser senhor ou senhora sabe a pouco, e por isso há necessidade de ser chamado dr. ou engenheiro. Em Portugal o caso é verdadeiramente mórbido. Senhor é o canalizador que nos veio resolver a inundação na casa de banho ou Rajoy, senhora é a nossa empregada doméstica ou Merkel. Os media portugueses colaboram na farsa, incapazes da noção do ridículo.

quinta-feira, janeiro 2

Proust, cem anos de presença

Terminado o ano dos 100 anos do início da publicação de "Em busca do Tempo Perdido", inicia-se um novo período de 100 anos para continuar a falar da obra de Proust.

Há poucos dias defendia-se, no Telegraph, que há na Recherche traços de um humor fino e subtil. E, graças aos comentários, descobri um site com informação e comentários abundantes no goodreads, que é uma espécie de facebook onde as caras se escondem para dar lugar aos livros. O grupo é muito activo na discussão.

domingo, dezembro 1

O povo não entende a mensagem

Petardos e um polícia ferido na chegada ao Dragão Ou o povo está distraído, ou Soares e Roseta não se explicaram bem.

terça-feira, novembro 5

É só estratégia

As crianças estão a enfrentar grandes dificuldades quando tentam ajudar os pais a ajudá-las a elas nos trabalhos de casa de matemática. Verifique aqui se sabe somar 67 com 16. Em caso de dificuldade, o seu filho explica-lhe. Apesar de aparecer por ali um miúdo desmancha-prazeres que põe tudo ao contrário: "[com] o meu pai é mais fácil... o meu pai ensina-me bem".

domingo, novembro 3

Angular momentum

Stunning, breathtaking, e por aí, são os adjectivos comuns que a publicidade usa com filmes como o Gravity. Não posso dizer que não tenha gostado, mas não me entusiasmou por aí além. Talvez o IMAX do Colombo não estivesse a funcionar bem nesse dia. Também não sei se é deficiência minha, mas não percebi bem o que é que distingue o IMAX do Colombo das outras salas 3D om écrans grandes. IMAX era no século XX, em Vila Franca de Xira. Mas adiante. Do ponto de vista cinemtográfico e artístico, talvez a questão mais pertinente que se possa colocar é a que levanta Neil deGrasse Tyson num seu tweet de 6 de outubro: Porque é que alguém há-de ficar impressionado com um filme de gravidade zero, 45 anos depois de 2001? A pergunta poderia ser feita por um vulgar crítico de cinema, mas para falar de Gravity é mais adequado ler o que têm a dizer pessoas que sabem Física. Tyson gostou do filme e disseca, nos seus tweets de 6 de outubro, os "Mistérios de Gravity", apontando imprecisões científicas. O Lubos Motl também curtiu (peço compreensão para o uso deste vocábulo, mas julgo-o adequado para falar de um filme que eu vi em cinema de pipocas) e sobre ele escreveu um artigo bem humorado. Ambos dão argumentos para que o título do filme pudesse ser Gravidade Zero ou Momento Angular. A rotação é o tema de muitas sequências, e sobre a conservação do momento angular Gravity não ficciona.