domingo, dezembro 31

Gostava de Mateus Rosé

O seu tempo terminou ontem às 6 da manhã no Iraque. Tinha o Mateus Rosé como vinho favorito, embora nunca bebesse em público para não contrariar a imagem de bom muçulmano. Submeteu opositores, exterminou sem dó nem hesitações. Morreu a recitar versículos religiosos, mas provavelmente a maior angústia dos últimos instantes terá sido a consciência da impossibilidade de saber em que se tornarão aquilo que foi o "seu" Iraque, e os seus inimigos, daqui a cinco, dez, trinta anos.

(Via The Iconoclast.)

sábado, dezembro 30

Sob o véu

Já se chamou Elaine Atkinson. A bisavó foi sufragista e ela própria foi militante feminista. Agora chama-se Khadijah, depois de se converter ao Islão, onde encontrou as soluções para a vida. Khadijah foi escolhida pelo Channel 4 para a sua “mensagem de natal alternativa”, em que se apresentou de rosto coberto. Defendeu que o uso do véu liberta as mulheres e referiu o Minhaj-ul-Quran, grupo em que milita, como tolerante e respeitador de todos os credos. O Daily Mail quis saber mais e afirma que o Minhaj-ul-Quran é um grupo extremista com ligações ao Paquistão, onde pretende implantar um estado islâmico, e com o objectivo último de islamizar o mundo.

Khadijah vê com tristeza os “infiéis”, que compara com ratos desorientados numa gaiola. Pensa que o mundo seria muito melhor se em cada esquina um "pub" desse lugar a uma mesquita. Numa conferência islâmica, este ano, defendeu que não se deve ouvir música nem ver televisão. Provavelmente tem razão, sem o saber, no que toca ao Channel 4.

sexta-feira, dezembro 29

Engolir espadas e os seus efeitos secundários

Alguém poderia imaginar que engolir espadas e facas envolve riscos físicos e financeiros e pode ter efeitos indesejáveis? Mais incrível ainda: as piores complicações surgem quando o executante está distraído ou quando engole várias espadas, ou espadas fora do comum. Pensa o leitor que as surpresas ficam por aqui? Então prepare-se: os ferimentos associados à prática de engolir espadas ocorrem... no esófago!!! e podem causar... hemorragia gastro intestinal!!! Depois disto, acho que já nada me poderá espantar. Está tudo descrito neste artigo do British Medical Journal, acabadinho de sair. Ciência para ser apreciada por si, motivada unicamente pelo desejo do avanço do conhecimento. Ainda por cima, recheada de conclusões que contrariam o senso comum.

Ah, esquecia-me de acrescentar que se conclui também que os ferimentos causados por engolir espadas têm em regra prognósticos melhores que os induzidos por prática médica. Não admira: não se pode ser bom em tudo. Já basta a argúcia teórica de que os autores do artigo dão mostras.

(Via Pajamas Media).

terça-feira, dezembro 26

A guerra no Iraque salvou centenas de portugueses em 2006

Aliviado o preço do petróleo e atestada a carteira dos portugueses na antevéspera do Natal, rapidamente se inverteu a propalada tendência de diminuição da sinistralidade rodoviária dos últimos meses, vanglória imputada pelo governo socrático à implementação do novo código da estrada e às campanhas públicas de sensibilização. Dezoito patrícios pereceram no asfalto nos últimos cinco dias festivos -a França, seis vezes mais populosa, registou onze mortos em três dias. Se caucionar o consumo excessivo de álcool e impor realmente limites de velocidade poderia abalar a popularidade do actual governo, como se provou na vigência guterrista, a tributação abusiva crescente dos combustíveis, passando incólume ao cidadão comum, é pelo menos uma solução que engorda o Estado e limita os danos corporais fora das festas.

domingo, dezembro 24

Feliz Natal...


...aliás, feliz festa de inverno, não quero ofender ninguém... hummmm... aliás, feliz festa de verão... já agora também não quero irritar ninguém no hemisfério sul.

O beliscão e a tabuada

Um miúdo de cinco anos está acusado de assédio sexual por beliscar o rabo de uma menina lá na escola. O caso passa-se numa primária de Maryland. A directora, Darlene Teach, não teve dúvidas em confirmar a a acusação, que passará a constar do curriculum do menino.

O pai da criança diz que tem dificuldade em explicar ao filho o motivo da acusação. Eu também não percebo. Talvez esteja desactualizado quanto aos avanços da psicologia e suas aplicações ao moderno jardim de infância. Em todo o caso infiro que, se se exige discernimento para identificar um beliscão com um acto de natureza sexual aos cinco anos, com certeza o conhecimento correcto da escrita e da tabuada é exigido aos dois ou três. Não admira que aos dezoito, em muitos casos, já tudo tenha sido esquecido.

sexta-feira, dezembro 22

A escolha da Science

O avanço científico do ano, para Donald Kennedy, editor da Science: o trabalho solitário de Perelman que conduziu à demonstração da conjectura de Poincaré. Trabalho profundo, duríssimo, que foi objecto de atenção de outros matemáticos. "Um assombroso triunfo do intelecto."

quinta-feira, dezembro 21

Paz e amor

Não é descabida a relação entre a ausência de orgasmo, sobretudo feminino, e a violência. Substrato recente da sociedade ocidental, a emancipação feminina arrastou a assunção de direitos exclusivos outrora dos homens e confrontou os últimos inclusivamente com os seus vícios e defeitos. O desprendimento nas relações amorosas e a procura de sensações em detrimento das emoções é apanágio no momento dos dois sexos. Por exemplo, ao folhear hoje casualmente uma revista destinada a adolescentes, deparei com um artigo que ensinava o modo de uma rapariga namorar simultaneamente vários rapazes sem ser delatada por nenhum deles. Conselhos e dicas que se abstinham de enumerar os riscos de transmissão de infecções. Por outro lado, os casamentos de conveniência económica dão lugar aos de conveniência afectiva, sexual e amorosa. Dispara também a taxa de divórcios, mas raros são já aqueles resolvidos litigiosamente. Contrapondo, no mundo árabe, a libertação sexual é uma aspiração das mulheres, vítimas primeiras da prepotência e da impotência de homens que, receosos da vibração contagiante do clitóris, edificaram uma religião à imagem do seu pénis.

Boas novas

Subitamente, o Falta de Tempo fica a contar com um novo membro. Boas vindas ao Nino!

quarta-feira, dezembro 20

Delft

Entrei, por generosidade, no estúdio de um pintor que admiro há vários meses pelas "cores transparentes, composições inteligentes e brilhante uso da luz".

A longa marcha pela igualdade

No uso do véu, as mulheres não estão sós. Um dos homens mais procurados pela polícia britânica ilude a segurança em Heathrow, com passaporte falso e véu.

terça-feira, dezembro 19

O sindroma da árvore




Na província, no tempo da minha infância, o Pai Natal era quase um desconhecido e as árvores, ao contrário dos presépios, também não se usavam muito.

Assim como a Igreja sobrepôs o Natal às remotas motivações das festas de inverno, a evolução social e económica e, em particular, o sucesso do capitalismo, erodiu os símbolos cristãos e transformou a quadra num apogeu de negócio e consumismo. É provável que muita gente desconheça até o significado da palavra natal. Os símbolos hoje omnipresentes são quase sempre desprovidos de conteúdo religioso.

Em alguns países europeus tem havido preocupação de escolas e de comerciantes em não ferir a sensibilidade de outras religiões (dizem, pudicamente, no plural) assistindo-se, assim, ao cancelamento de autos de natal, à desaparição de tudo o que tinha a ver com o presépio nas iluminações de natal das cidades, e até à tentativa de banir o perú das refeições da época...

A indiferença das populações ocidentais à religião é um dado adquirido que não é de agora. Os cuidados com as outras religiões é que constituem uma faceta doentia e recente da nossa falta de cultura e reflexão, chegando-se ao ponto de proibir a árvore. No Reino Unido há também reservas, por outras razões, ao contacto de crianças com o Pai Natal...

Se o mal entendido sobre os símbolos alastra, preparemo-nos para a proibição do descanso ao domingo ou das compras em dezembro.

Espero que não nos integremos na Europa que aí vem. Não me agrada a ideia de comer bacalhau e azevias na clandestinidade.

domingo, dezembro 17

sexta-feira, dezembro 15

O código de Carolina

Os amantes que se consideram traídos ou maltratados podem transformar-se em inimigos temíveis. Em casos extremos, chegam a assassinar. Toda a gente sabe isto.

Carolina, que até tem familiaridade com o mundo da prestação de serviços de pancadaria, não precisa de recorrer à violência. Subscrever um livro é eficaz, elegante e dá milhões. Carolina, que nada tem a perder, sabe como é frágil a posição do seu ex-amante. Carolina sabe que ele, mergulhado no futebol e publicamente exposto, não tem credibilidade superior à sua, e que o interesse de um público ávido de escândalos e as invejas dos outros balneários farão o resto. A justiça bem tentou evitar meter-se em alhadas. Magistrados que podem ter escapado a Dan Brown sofrem agora a humilhação de não poder escapar a Carolina.

Tão inimigos que eles são

Suspeito que riscar Israel do mapa não é suficiente para resolver o conflito do Médio Oriente.

quinta-feira, dezembro 14

O inferno do ensino-aprendizagem

A educação básica, nos Estados Unidos, atravessa um momento mau, em muitos aspectos semelhante ao que se passa entre nós, com os estudantes americanos a ficarem mal classificados em competições internacionais. Num relatório publicado em Setembro passado, Arthur Levine, da Columbia University, faz um diagnóstico dos erros na formação de professores nos Estados Unidos e avança com algumas recomendações. Do lado negativo, destaca a tendência das escolas superiores de educação para aceitar alunos de nível medíocre. Inquéritos mostraram que, no fim dos seus cursos, os estudantes não se sentem prepararados para dar aulas. As avaliações realizadas durante os estudos incidem mais sobre procedimentos do que sobre questões substantivas. O relatório recomenda que os programas de estudo dos futuros professores incluam uma licenciatura na respectiva especialidade e que uma percentagem significativa de professores seja formada em universidades prestigiadas pela investigação que fazem.

Não é por acaso que podemos aqui reconhecer problemas e propostas de solução de que já ouvimos falar entre nós. Os profissionais de educação portugueses (como os de outros países europeus) acusam uma fortíssima influência das modas educativas que, a par de outras más ideias, foram acolhidas em universidades americanas (da "boa América", como se diz agora). Alguns deles receberam formação (PhD) em universidades americanas com departamentos especializados na formação de formadores de professores.

Referindo um caso que conheço: os programas de Matemática aprovados e as metodologias para esta disciplina impostas pelo ministério da educação desde 1997 acusam uma influência forte das directivas emanadas do NCTM, National Council of Teachers of Mathematics. Também a Associação de Professores de Matemática costuma apoiar sistematicamente as posições do NCTM.

Tem sido reinante, nesta e noutras disciplinas, uma filosofia vulgar, importada de centros medíocres, e em grande expansão desde o início dos anos 90. Essa filosofia vem reduzindo a prática profissional dos professores a uma sucessão de actos burocratizados, ao mesmo tempo que menoriza a substância dos conteúdos disciplinares. Expressões-chavão como ensino centrado no aluno, desenvolvimento da auto-estima e de métodos de expressão autónoma, e referência ao professor como um facilitador as aprendizagens, passaram a ser usadas abundantemente em documentos oficiais, mas muitos professores, descrentes do catecismo que quiseram impor-lhes, não conseguem ouvi-las ou utilizá-las - quando a isso são obrigados - sem um riso interior de desprezo.

Entretanto, sucedem-se mexidas nos programas e alterações metodológicas frequentemente absurdas. Inseguros cientificamente ou desinteressados das suas matérias de ensino, uma parte considerável dos professores encara sem espírito crítico as alterações curriculares mais disparatadas. A baixa do nível de formação de docentes ajusta-se perfeitamente à política de arbitrariedade centralizada.

Os modernos gurus da educação usam até à náusea a feia expressão ensino-aprendizagem. Ingenuamente, pensam que nos convencem de que não conseguem desligar o acto de ensinar do acto de aprender (como isso fosse possível), mas já quase toda a gente percebeu que estão apenas preocupados em simplificar o primeiro. O problema é que acabaram por complicá-lo ainda mais para a maioria, tornando cada alteração curricular menor num quebra-cabeças, acessível apenas depois de acções e mais acções de formação, a cargo da clique de iniciados. São estes que vão explicar tudo aos outros, como se eles fossem muito burros. A vida dos professores já é um inferno há muito tempo.

domingo, dezembro 10

O relatório e os aplausos


(http://www.townhall.com/funnies/cartoonist/GaryVarvel/2006/12/1/)

Em face do desastre em que se transformou a invasão do Iraque, não há soluções fáceis. O relatório do Grupo de Estudo sobre o Iraque diz, entre outras coisas, isso mesmo, mas ousa avançar com propostas de acção surpreendentes. Não pela novidade, mas precisamente por não serem novidade. Colocando em destaque a solução do conflito entre Israel e a Palestina, os relatores legitimam a grande causa árabe das últimas décadas, edificada em torno de um povo que aos próprios vizinhos só interessa como bandeira. O relatório não menciona que este problema tem uma solução simples e talvez nenhuma outra: a destruição de Israel. A recomendação de negociar com toda gente, desde Irão até aos terroristas "moderados", (a Al-Qaeda fica de fora, porque sim), é tudo menos original: até cá em casa temos um ex-presidente, ilustre defensor dessa linha política, e que provavelmente teria ido mais longe, não propondo aquela limitação.

Não é, pois, muito original a substância do relatório, tal como não é novo o desconforto que ele provoca. No tempo das palavras de ordem contra a guerra no Iraque já se sentiu o mesmo. Se a lista dos que o aplaudem com entusiasmo inclui personagens e centros de poder pouco recomendáveis, algo não bate certo. O problema é que a lista de potenciais subscritores do relatório é grande demais.


Notícias do dia: Para variar, alguém queima retratos que não são de Bush. Onde? Claro que isto só poderia acontecer em Teerão, onde estudantes de uma universidade fizeram frente a Ahmadinejad, boicotando-lhe um discurso. Que pensarão estes estudantes, e outros estratos do povo iraniano com ódio ao regime, das recomendações para o diálogo com os actuais dirigentes?

Também em Teerão começa hoje um simpósio "científico" de natureza negacionista sobre o Holocausto. Participam 67 intelectuais e investigadores de 30 países. Um advogado palestiniano com passaporte israelita, com intervenção prevista, acabou por ter o visto recusado.

terça-feira, dezembro 5

domingo, dezembro 3

Luzes não poluentes



Só podem ser vistas em passeio a pé.

Para acabar de vez com a TLEBS

Como o meu último post sobre a TLEBS teve um número inabitual de comentários para este blog, volto ao assunto pela última vez.

A TLEBS é o exemplo acabado de como o ministério da educação, ao pretender resolver um problema, cria um problema maior. Acontece agora no português mas já aconteceu noutras disciplinas. A actual ministra tem aqui uma oportunidade, que o destino lhe oferece de bandeja, para mostrar que tem coragem e bom senso acima da média dos dos seus antecessores e que está mesmo preocupada com o bom funcionamento do sistema: se desTLEBSar imediatamente o ensino da língua materna fará um figurão. É um detalhe, é certo, mas é importante porque descomplica muita coisa.

A própria Maria Helena Mateus meteu os pés pelas mãos esta manhã, em declarações à Antena 2, afirmando que não se pretendia que tudo aquilo fosse ensinado nas escolas, ao mesmo tempo que admitia que não havia indicações claras para os professores sobre os limites de utilização da tenebrosa lista de nomes.

Não se trata de contestar o ensino da gramática, mas sim a necessidade da copiosa lista de designações para níveis básicos de ensino. Em certa medida, a TLEBS está a ser para o Português o que as recomendações dos programas oficiais, para que se faça referência a certos temas de ponta muito em moda, já são há alguns anos para a Matemática. Tais referências não podem passar do nível de conversa de café; e, a par da ênfase doentia nas virtudes das "novas tecnologias", destinam-se objectivamente a desviar a atenção do essencial e a mascarar com roupagem de novo rico a má estruturação dos programas.

Os linguistas têm culpas da situação? Alguma terão, mas a responsabilidade é do ministério, que oficializou com total insensibilidade, sob a forma de portaria, o produto que aqueles gostosamente lhe puseram nas mãos por encomenda.

Sem surpresa, chega-se à conclusão de que muita gente, a quem se reconhece autoridade para ter uma opinião na matéria, discorda profundamente da solução. Isto mesmo aconteceu a partir de 1995 em relação aos programas de Matemática: as críticas vindas de muitos docentes universitários não demoveram o ministério um milímetro na aprovação do trabalho encomendado a uma determinada equipa. A razão, para mim, é simples: as equipas a quem as encomendas são feitas acabam por ficar, conscientemente ou não, nas mãos de certos "especialistas" de educação e certas direcções de associações de professores que comandam o processo, e cujo apoio tem peso determinante nas decisões.

No caso concreto da TLEBS, o que está em causa é o facto de a encomenda se destinar ao ensino básico e secundário. Sou a favor da TLEBS mas apenas entre adultos e com consentimento mútuo.

sábado, dezembro 2

quinta-feira, novembro 30

terça-feira, novembro 21

O terrorismo linguístico

Toda a magia fora extinta. As longas cavalgadas que ela tanto adorava fazer. Um dia tinha caído mesmo junto àquela árvore que se encontrava à sua direita. À esquerda, um lago suficientemente grande para passar os dias de Verão. Depois, ao pôr-do-Sol, avistava-se ao longe o cume das montanhas, e alguns veados que por lá andavam.

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Todos sabemos como são importantes as séries no nosso quotidiano. Alguns, pensam que estas fitas fragmentadas ao longo de um período, não são mais do que criações americanas para nos ajudarem a ‘passar o tempo’! E, eu até estou totalmente de acordo!


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Estas frases pertencem a textos colocados sob a entrada "Boas Leituras na Net" no site da Associação de Professores de Português (APP). Boas? Estranho qualificativo, para já não falar de discordância sintática e colocação errada de vírgulas.

Uma coisa estes textos permitem compreender: o desprezo da APP pelo bom gosto e pela correcção no uso língua portuguesa. Segundo o PÚBLICO de hoje, um abaixo assinado que reune as assinaturas de V. Graça Moura, E. Prado Coelho e José Saramago, e onde a TLEBS é contestada, não impressiona a APP: o seu presidente afirma estar à espera dos pontos de vista de quem dá aulas e não dos de escritores. Não precisava de explicar: já se tinha percebido há muito tempo.

sábado, novembro 18

Post light

A minha escolha entre as coisas que só acontecem no cinema:

- Um tipo vai na rua e apetece-lhe cantar e dançar. Uma orquestra invisível, mas completa e afinada, está pronta a acompanhar, e toda a gente com quem o tipo se cruza acerta com a coreografia.

-No quarto de dormir, depois de se apagar a luz, todos os objectos continuam visíveis, apenas um pouco azulados.

(via kariba).

sexta-feira, novembro 17

O pecado segundo o Corão

Uma mulher de 39 anos, viúva há seis, deu à luz uma criança em Hail, Arábia Saudita. Em consequência, foi condenada à morte por apedrejamento. A mulher não recorreu da sentença, que aceita como purificação. Os seus três outros filhos foram recolhidos num reformatório.

quinta-feira, novembro 16

Filosofia de fino recorte técnico

Reclamar a posse completa da verdade absoluta (...) é tão vão como a rejeição categórica da verdade (...)

Quem escreveu esta frase, quem? nada mais nada menos que Mohammad Khatami, ex-presidente do Irão, que acaba de participar no forum do Washington Post sobre "religião e monopólio da verdade". A escrita mostra que o autor não brinca em serviço. Pelo menos é um bom aprendiz do uso de certa linguagem bem reconhecível: militando na Aliança de Civilizações (leia-se do Islão com alguma esquerda europeia) o homem adquiriu capacidades que pedem meças a qualquer Eduardo Prado Coelho ou até Boaventura Sousa Santos. Aprecie-se só como ele sabe referir-se aos indivíduos incompletos que falsamente reclamam completude e procuram afirmar o próprio "Eu" obliterando a identidade do "Outro"!

Noutra passagem, Khatami fala de eliminar obstáculos e atingir objectivos. Nós, mal intencionados, lembramo-nos logo de Israel e de bombas atómicas.

Execução

Um homem condenado por sodomia foi enforcado anteontem à tarde em Kermanshah, no Irão. A execução foi aplaudida por algumas centenas de espectadores.

quarta-feira, novembro 15

Mais TLEBS

O Presidente da Associação Portuguesa de Linguística, João Costa, aparece hoje, em carta ao Director do PÚBLICO, em defesa da TLEBS. Mas não responde a nenhuma das pertinentes objecções de que a manobra TLEBS tem sido alvo. Aguardo, curioso, o surgimento de alguma defesa da operação que não venha do seu núcleo gerador e incubador (alguns linguistas, a Associação de Professores de Português e o Ministério da Educação).

Que a TLEBS não é um manual de gramática já todos percebemos. O que se contesta é a sua utilidade e necessidade, bem como a sua exótica legitimação através de portaria, cheia de considerandos que tresandam fantasia. Quando se diz que a TLEBS introduz termos relevantes para uma boa descrição do funcionamento da língua portuguesa, a resposta mais benevolente é: talvez, mas não para as necessidades do EBS e dos professores de português nesse nível. A utilidade da gigantesca lista de designações para o ensino do uso correcto da língua é a mesma que teria, para o ensino da Matemática, classificar os números em pequenos, grandes e assim-assim, ou uma nova lista de designações para classificar os triângulos a partir da posição do ortocentro. No fim, vai haver a mesma confusão entre há, à (para já não falar de á), entre ficaste e ficas-te.

João Costa afirma que muitas das classificações propostas são para esclarecimento dos docentes. Dada a perplexidade originada com o documento, parece razoável pensar que o esclarecimento era bem dispensável.

A TLEBS não passa de uma resposta pretensiosa e inadequada a um problema inexistente, e que na substância não difere muito do modo como os sucessivos ministérios da educação vêm aprovando conteúdos e metodologias para os ensinos básico e secundário. Em matérias como a Matemática isso é menos escrutinável pelo grande público, mas os mesmos sinais de incompetência e falta de bom senso estão lá todos.

segunda-feira, novembro 13

Desnatando o Natal



No Reino Unido, instituições governamentais e governos locais têm-se esforçado por esvaziar as festas do Natal do significado cristão que lhes dá corpo, com receio de irritar a população emigrante muçulmana. Nos selos de correio ou nas iluminações há estrelas e bonecos de neve, mas não há presépios. Já foi proposto um nome politicamente correcto para os festejos: Winterval, porque Christmas pode ter uma ressonância inoportuna.

No meio disto, vem um Forum Cristão Muçulmano, lançado pelo Arcebispo de Cantuária, pedir que se deixe o Natal em paz. Os muçulmanos representados no Forum não querem ser olhados como aqueles que atacam as raízes da cultura cristã no país. Declararam ainda que a vontade de secularizar festas religiosas é ofensiva para ambas as comunidades.

As soluções simples

Se pudesse,Elton John acabaria com a religião: pelo menos é o que declarou, numa entrevista publicada no fim de semana. Além de lançarem ódio contra os gays, os chefes religiosos nada fazem pela paz. Não ouviram o apelo de Sir Elton para uma grande cimeira após o 11/9.

A popestrela queixa-se também da falta de militância das gentes, que em vez de sairem à rua defender as suas (dele, presume-se) ideias, ficam a protestar no teclado global. Apesar de tudo, é sensível à apreciação que o vasto público lhe dispensa e crê assumir um papel respeitável, equivalente ao da rainha mãe.

As considerações do cantor não têm nada de mal e são com certeza adequadas aos media onde são publicadas. Quem preferir a mesma visão simples sobre o mundo embrulhada num discurso mais sofisticado tem muito por onde procurar.

sábado, novembro 11

O estado da língua

No PÚBLICO de hoje há um anúncio de página inteira, assumindo a forma de carta aberta ao Provedor de Justiça, que pretende esclarecer a opinião pública sobre os contornos de determinado processo.

É natural pensar que a elaboração do texto deverá ter sido confiada a advogados ou alguém que mereça, em princípio, um grau de confiança equivalente para o efeito.

Surpreendentemente, ou nem por isso, os erros de sintaxe e colocação de vírgulas são de tal ordem que por vezes temos que reler para ver se compreendemos o que nos estão a contar.

Como está na moda analisar os mais variados textos nas aulas de Português, a página 27 do PÚBLICO vem, involuntariamente, proporcionar um grande exercício de ensino-aprendizagem: reescrever o texto do anúncio em português. Cuidado, porque algumas das frases precisam de uma boa volta.

Mario Vargas LLosa, no ABC de hoje

Há muito que criticar, o Patriotic Act, Guantanamo, Abu Grahib... São fenómenos lamentáveis, perigosos, mas o interessante é que isso gerou críticas tão fortes quer nos Estados Unidos quer entreos seus inimigos e (...) pelo menos alguns foram corrigidos. (...) é muito interessante a a formidável capacidade autocrítica que os estadunidenses possuem (...), algo que na Europa, onde o antiamericanismo é tão cego, não é tido em conta. Se há uma sociedade que se confronta a si mesma com verdadeira ferocidade, é os Estados Unidos. A prova é a última campanha eleitoral.

Há muitos casos em que a democracia não surgiu de dentro, mas sim do exterior e com a ajuda de um exército estrangeiro; Alemenha, Japão... que são hoje democracias sólidas. (...) A história confirma que que a maioria dos países não tem tradição democrática e democracias muito estáveis e firmes têm uma escassa tradição democrática, como Espanha. Se em Espanha foi possível, se foi possível em vários países latino-americanos, porque não há-de ser possível no Médio Oriente?

... o terrorismo tem capacidade de destruição graças à fantástica evolução da tecnologia, que além disso a põe ao alcance de muitas organizações terroristas como a Al-Qaeda

... o empobrecimento do nível ético e cultural dos grandes meios de comunicação é um fenómeno gravíssimo do nosso tempo. Apesar de algumas excepções, há um sensacionalismo, uma predisposição a procurar o atractivo, quando não o escandaloso (...) e isso é uma maneira de deformar a realidade.

quinta-feira, novembro 9

O inimigo número um

Com o estado de coisas a que se chegou no Iraque e os desígnios e objectivos da "luta antiterrorista" envoltos em nevoeiro espesso, a derrota dos Republicanos há-de proporcionar alguma possibilidade de mudança. A administração, que frequentemente foi acusada de incompetência ao não prevenir os atentados de 11/9 e ao contribuir para transformar, de facto, o Iraque numa incubadora de terrorismo, mostra que afinal partilhava o erro de percepção ingénua da realidade que se tem revelado em múltiplas sondagens: acreditou sempre que os Estados Unidos, talvez incorporados em Bush, eram a maior ameaça para o mundo. As eleições e o seu resultado são um primeiro golpe nesta crença.

Talvez agora se possam começar a levar a sério as intenções do inimigo (para os Estados Unidos e para a Europa) mais perigoso, mais difuso e cada vez mais poderoso, e dar-lhe o lugar que merece no pódio das ameaças.

terça-feira, novembro 7

Veladamente

Depois do caso de uma professora, agora é o de uma advogada: o uso do véu a colidir com a eficácia do acto de comunicar. Um juiz suspende um julgamento por a advogada se recusar a levantar o véu.

Assim de repente só me ocorre uma situação onde o véu passa bastante bem e até vem a calhar: é o caso das dentistas ou cirurgiãs.

No entanto, intriga-me como é que, em qualquer caso, se faz a verificação da identidade: quem se mete na cadeira de um dentista de que não pode fazer o reconhecimento?

segunda-feira, novembro 6

Lamentos sobre uma pena de morte

A notícia da condenação à morte de Saddam Hussein foi já seguida por manifestações de apoio a uma comutação da pena, vindas de dirigentes políticos e do próprio Vaticano.

Não quero aqui discutir a pena de morte nem sequer o caso especial de que se trata. O que me parece é que as pessoas com responsabilidades de poder que genuinamente estão preocupadas com a existência de pena de morte deviam manifestar-se com mais frequência, pois infelizmente não faltam execuções legais em cada dia que passa. Isto para já não falar de penas degradantes e desumanas infligidas em certos países por delitos que nós não consideramos como tais. Se, nos governos que têm capacidade para exercer alguma pressão, as vozes em defesa da dignidade da vida humana se fizessem ouvir com mais insistência, de vez em quando acabariam por acertar em pessoas bem mais merecedoras dos lamentos do que Saddam.

quinta-feira, novembro 2

A propósito de arte comprometida

Foram anunciados ontem os vencedores do concurso de caricaturas sobre o Holocausto promovido pelo governo do Irão.

Atentas às violações da liberdade de expressão no perverso mundo ocidental, as autoridades não divulgaram a identidade do 2º classificado, um cidadão francês, que correria o risco de perseguição por negacionismo pelo regime despótico que vigora em França.

O ministro da cultura iraniano aproveitou para reafirmar que o Holocausto não passa de um mito, atribuindo a quebra do tabu ao presidente Ahmadinejad. Mas aqui não esteve bem: convém lembrar que o presidente não tem originalidade nenhuma. Era o que faltava, irem vender-nos mais uma grande descoberta teórica como sendo originalidade do Islão. Negacionistas e revisionistas não faltam na Europa. Com certeza ainda não nos esquecemos de David Irving. E também é justo mencionar a propósito Felix Ermacora, que de resto fez uma crítica muito favorável à Guerra de Hitler daquele autor. Ermacora foi fundador do Instituto Internacional para a Lei das Nacionalidades e o Regionalismo, em que colaboraram ex-nazis. Ermacora foi também o mestre de Nowak (referido em dois posts abaixo), o tal muito preocupado com a tortura em Guantanamo. Joe Rosenthal conta tudo, com documentação, aqui.

quarta-feira, novembro 1

Manual de boas maneiras

Uma autoridade local no West Yorkshire acaba de lançar um manual para educação dos seus funcionários nas regras do politicamente correcto.

Algumas das normas não têm novidade nenhuma: quem é que não está já inteirado da carga ofensiva de palavras como fireman ou policeman, verdadeiras bombas de exclusão?

A novidade é que a expressão politicamente correcto passa também a ser proscrita. Não é caso para admirar. Na Europa quase ninguém tem orgulho em seja que crença for, incluindo os simpatizantes de ideologias aparentadas com fascismos.

Pelo meio fica a notícia de outra norma preocupante: o manual ensina que mudar a arrumação da secretária de alguém equivale a dar um empurrão ou um pontapé na pessoa em causa. Imagine-se a litigiosidade daqui decorrente se alguém se lembra de aplicar o preceito à prestação de trabalho doméstico. Mas o pior é que, ao equiparar a desarrumação ao pontapé, este fica desvalorizado e um potencial agressor tenderá a aplicar o grau seguinte da violência. Os autores do manual não se dão conta de que estão a ofender gravemente as pessoas que têm tendência para usar o pontapé, diminuindo-lhes o alcance da atitude.

O manual terá reduzida importância, mas acusa o sintoma doentio da inclinação para achar que tudo é igual. Noutra escala, quando Manfred Nowak, relator das Nações Unidas, classificou como tortura a alimentação forçada de presos de Guantanamo em greve da fome, como é que se terão sentido os arrancadores de unhas, os empaladores, e os mutiladores de genitais? Ah, pois, eles também têm o direito à indignação.

segunda-feira, outubro 30

quarta-feira, outubro 25

Curiosidades

Numa notícia de há poucos dias, o Daily Mail contava o caso de uma professora de quarenta anos e com filhos adolescentes, que se envolveu sentimentalmente com um aluno de 14 anos, amigo de um dos filhos. A professora foi julgada e condenada com uma sentença de prisão e pena suspensa. Tanto quanto se sabe, não houve relações sexuais entre professora e aluno. Mesmo assim, a notícia era abundante em referências detalhadas ao modo como os amantes se relacionavam.

Nos Estados Unidos, os jornais, televisões e blogs têm falado muito do caso do congressista republicano Mark Foley. Recentemente, foram tornadas públicas conversas registadas num instant messenger entre Foley e estagiários de 18 anos ou talvez menos, com conteúdo sexual explícito. Fica claro que houve, no mínimo, tentativa de abordagem sexual por parte do congressista em relação aos jovens. Prestando-se a fácil exploração política em época de eleições, muitos órgãos de informação têm-se empenhado na divulgação das tais conversas, cujas passagens escabrosas as tornaria apropriadas a diálogos de filme porno se os filmes porno tivessem diálogos. Em vez de ficção porno, que poderia ser mal vista, serve-se aos leitores pornografia sob o pretexto de notícia.

Os media, interpretando o sentir do bom cidadão, cerram fileiras contra tudo o que cheire a pedofilia, mas estão-se nas tintas para a privacidade dos menores eventualmente envolvidos nos casos e para os possíveis efeitos de sedução (tanto em adultos como em adolescentes) dos episódios relatados. Se o pormenor chocante vende, então publica-se.

Nestes dois casos as acusações incidem apenas sobre relações virtuais. Nem por isso os relatos detalhados deixam de poder ter um efeito potencialmente perverso.

Nos Estados Unidos os escândalos sexuais são publicitados e explorados em maior escala que na Europa. No caso de envolvimento de menores, o facto de a idade de consentimento ser mais baixa na Europa pode ter a ver com essa diferença. Mas a atitude europeia também tem os seus pontos curiosos. Como bem recordou John Rosenthal, o que é politicamente correcto em certas esferas de pensamento, a que a universidade confere respeitabilidade, é uma defesa dupla dos menores: defesa do assédio não desejado e defesa do direito a relações desejadas (sim, mesmo com adultos). Disso é exemplo a tese de H. Graupner, aprovada por um júri de que fez parte o Prof. Manfred Nowak, que por acaso, ou talvez não, é também militante da causa dos presos de Guantanamo.

terça-feira, outubro 24

segunda-feira, outubro 23

As palavras perigosas

Daniela Santachè, deputada italiana, afirmou na sexta feira num debate de tv com o imã milanês Ali Abu Shwaima que o véu não é um símbolo religioso, mas sim um sinal de submissão das mulheres. O iman respondeu violentamente declarando-a infiel, ignorante e semeadora de ódio. As ameaças produzidas em directo podem ser consideradas uma fatwa implícita.

Santachè vai estar sob escolta policial mas não se intimidou. Convencida de que é necessário falar das coisas como elas são, sem rodeios, voltou a reafirmar publicamente a sua convicção e comparou o véu à estrela amarela para os judeus. Apesar de alguma solidariedade que lhe foi manifestada, inquieta-a o silêncio das feministas. "Não se trata de medir centímetros de véu nem de apreciar, como já foi feito, se fica bem às mulheres ou não. É um símbolo que devemos rejeitar, estamos em Itália e não há lugar aqui para califados."

segunda-feira, outubro 16

A FALAR complicamos tudo

O apodrecimento da Nomenclatura
...a Nomenclatura Gramatical Portuguesa foi, progressivamente, acusando a inexorável usura do tempo, tendo deixado, há muito, de constituir referência para a solução de problemas que têm vindo a ser identificados no campo do ensino da língua portuguesa, nomeadamente no que se refere à constituição de uma terminologia especializada, apta a instituir e a descrever os factos linguísticos, permitindo a criação de instrumentos de trabalho reconhecíveis por professores e alunos, delimitando o conhecimento pedagogicamente válido na área da linguística e clarificando as bases da relação entre os saberes escolares e os saberes científicos.

A aurora da Terminologia
Daí que, em 1997, tenha tido início, no âmbito do projecto FALAR (Formação de Acompanhantes Locais: Aprendizagem em Rede), da responsabilidade do Departamento do Ensino Secundário, tendo por objectivo a formação de professores de Português, ao nível nacional, um conjunto de acções, amplamente participadas (foram envolvidos cerca de 15000 professores dos ensinos básico e secundário), com vista à identificação de necessidades e lacunas. Em resultado da discussão pública gerada em torno dos documentos consequentes àquelas acções, foi constituído um grupo de trabalho integrado por representantes dos Departamentos do Ensino Secundário e da Educação Básica e da Associação de Professores de Português, por professores do ensino secundário, em exercício de funções lectivas, e por especialistas do ensino superior, que, levando em conta toda a documentação até então produzida e atingido o consenso entre as partes envolvidas, elaborou uma proposta de Terminologia Linguística para os Ensinos Básico e Secundário. Este documento de trabalho foi entregue a equipas de investigadores universitários para definição e explicitação dos termos, segundo os domínios de especialidade definidos na Terminologia Linguística...

Esta embaladora redacção é o preâmbulo da Portaria n.º 1488/2004, onde logo a seguir se enumeram centenas e centenas de designações de tudo o que o Ministério da Educação comprou aos linguistas para facilitar a vida aos professores e alunos em matéria de Português.

Publicada no Diário da República e remetida para utilização por professores em pânico com o-a ensino-aprendizagem das categorias gramaticais às crianças, esta fabulosa peça liguística perdeu o seu impacto humorístico. Recentemente alvo de críticas, a TLEBS arrisca-se a passar pelo que não é: a lista não interessa para nada, até porque as perguntas de gramática nos exames pouco mais são do que pequenas charadas, sendo mais importante levar uma ou duas ideias bem assentes sobre a fome no mundo e talvez as alterações climáticas. O melhor da TLEBS é o preâmbulo da portaria, onde se descreve de modo exemplar como o ministério da educação aborda os problemas de conteúdos. A um diagnóstico inverosímil segue-se uma medida que transborda fantasia. Pelo meio, um ou outro lóbi colhe uns amendoins com acções de "formação" e ganhos de influência. Dessa vez foram linguistas e a tenebrosa Associação de Profs de Português os contemplados, mas com a sua participação acabaram por exibir, além da barroca erudição académica dos primeiros, uma tremenda falta de senso de todos. "Ciência" de ponta para o ensino básico! Estampada no jornal oficial! Se o mesmo for feito para outras disciplinas, o Diário da República vai competir com as melhores revistas científicas do planeta. Instalar-se-á um sistema de rigoroso controlo de qualidade e os nossos deputados correrão o risco de ver recusada a publicação de muitos dos seus projectos.

A estética ausente

O bispo D. António Marto lamentou, há poucos dias, que a estética esteja ausente em Fátima. Queria referir-se ao caos urbanístico e ao mostruário de bugigangas de inspiração religiosa que inundam as montras e as esquinas. Mas como podia ser de outra maneira? O kitsch que D. Marto execra começa na própria história das aparições, a ponto de a Igreja ser relutante a recomendar aos fiéis que a levem muito a sério. Se a história de Cristo já aparece aos nossos olhos de hoje como uma fábula que só a distância temporal permite normalizar, ela tem apesar de tudo um apelo poético e humano que lhe dá força: um deus feito igual a nós para sofrer como nós e nos “salvar” (não vale a pena perguntar de quê, pois matéria para lágrimas é o que menos falta neste mundo). Ao contrário da mensagem que se atribui ao filho, universal, positiva e radicalmente inovadora, a da Senhora está contaminada pela circunstância que lhe retira grandeza: meter-se na política da época e ao mesmo tempo mostrar um inferno prestes a ser desacreditado é um programa para esquecer. Mais vale acreditar que havia mesmo algum segredo que valesse a pena. Não fabrica evangelhos quem quer.

Não sei se D. Marto reparou, mas a violação da estética não está só em Fátima. Basta entrar na maioria das igrejas em hora de missa para o comprovar. A qualidade das homilias e da música que se ouve nos templos (com ou sem violas) é de estarrecer. Estou a falar do meu ponto de vista, claro, que admito que tenha alguma coincidência com o do bispo. Mas que outra coisa seria possível? Se o culto é para as “massas”, há que nos conformarmos ao gosto delas, que coincidirá já com o gosto da maioria dos padres, os quais vêm das “massas”. Naturalmente, as elites preferem Leonardo, Giotto ou Lucas Cranach às santinhas com corações trespassados em molduras de pechisbeque, e as paixões de Bach aos tristes e feios cânticos que não chegam ao céu, mas o problema é delas. Se a Igreja se revela incapaz de promover símbolos de qualidade (que possivelmente estariam de acordo com uma devoção de qualidade) o problema é dela.

sexta-feira, outubro 13

A Ciência é política



Está visto que hoje é dia de caricaturas. Mais informação a acompanhar o cartoon em Cox and Forkum.

(Nota: o título do post é uma citação de Richard Horton, editor da Lancet.)

Há uma discussão do artigo da Lancet aqui.

O cavalo de Teerão





O curioso caso de "Hugh Bradley", participante no concurso de caricaturas sobre o Holocausto promovido pelas autoridades iranianas. A história está contada aqui.





(Curiosidade: Portugal tem uma participação aceite.)

quarta-feira, outubro 11

"Há sempre um CD lá por casa"

Notícia hilariante, no PÚBLICO de hoje, que nos ajuda finalmente a compreender o significado da expressão enriquecimento curricular.

terça-feira, outubro 10

A parte é maior que o todo

O estatuto de vítima tornou-se tão atraente que no Reino Unido parece que a percentagem de vítimas na população já atinge os 73% (o que deixa muito pouco espaço livre para os opressores). Segundo o criminologista David Green a situação real é ainda pior: o número de vítimas excederá já o total da população, porque quando se é, é-se vítima de uma categoria específica de ódio (presumo que um árabe negro gay pode contar por três). No fim parece haver relativamente poucos agressores, a não ser que muitas vítimas de uma categoria sejam agressores noutra. De qualquer modo há aqui qualquer coisa que não funciona bem: o excesso de vítimas deveria causar a desvalorização da sua condição. Parece que os legisladores não previram este efeito perverso que contraria as suas boas intenções. Está-se mesmo a ver que, se os da mesma escola se põem a legislar em matéria fiscal, a taxa de IRS mínima vai acabar por ultrapassar a máxima.

Não ofender uns e ignorar outros



Ao mesmo tempo que há grande preocupação em não ofender os extremistas violentos, há tendência para ignorar os que se batem por liberdade, afrontando fanatismos em condições duríssimas. Não deveriam os meios de comunicação ocidentais dar mais atenção ao que se passou no passado sábado em Teerão?
(Via Gateway Pundit)

segunda-feira, outubro 9

Curiosidades

Uma reportagem emitida ontem pela SIC dava conta da diversidade de métodos em uso para ensinar as crianças a ler e a escrever. Ficámos a saber que, para além dos métodos mais ou menos tradicionais, estão no terreno as estratégias do Movimento Escola Moderna (MEM), já há algumas dezenas de anos. Os professores do MEM entrevistados fizeram, naturalmente, a apologia do seu ensino inovador. Os outros defenderam-se como puderam, alegando que não se sentiam preparados para experimentar uma actuação diferente e possivelmente pôr em risco o sucesso das turmas. Mas, aparentemente, não se sabe, e a reportagem não inquiriu, se afinal há diferenças entre os resultados da aprendizagem tradicional e os da inovadora. Talvez exigisse um trabalho de campo moroso e a requerer muito cuidado, mas valeria a pena. Curiosamente esse é o tipo de investigação que os profissionais das ciências de educação nunca fazem. Escrevem muitos artigos em que defendem os seus métodos na base de desejos e boas intenções, quando seria mais útil que nos mostrassem as diferenças a partir dos efeitos reais.

Fico curioso de saber se há diferenças sensíveis entre os que aprenderam a ler e a escrever à antiga ou à moderna: alguns têm maior dificuldade na leitura e compreensão de textos que outros? todos confundem à com ? Todos escrevem perguntas-te em vez de perguntaste? A SIC podia ter perguntado.

Aprendi também que o i é considerada por alguns professores a letra mais fácil, por isso é a primeira que ensinam. Mas não percebi porquê.

quarta-feira, outubro 4

Libertar é reprimir

Lésbica, mulher e palestiniana: é a tripla identidade que a si própria se atribui a senhora Rauda Moros. Um artigo do Guardian de há dois dias fala dela, da luta dos homossexuais palestinianos contra a perseguição e dos pequenos progressos que vão conseguindo. Os ingénuos leitores devem estar já a pensar que o grande problema enfrentado pela causa gay na Palestina é a rigidez do código moral islâmico, não? Ora, que bom que era se fosse só isso. Preparem-se: as maiores dificuldades vêm de Israel, pois claro! O facto de haver tolerância para com os homossexuais em Israel torna-os por sua vez mal vistos na Palestina.
Associar Israel com direitos dos homossexuais torna a vida difícil aos árabes gay. Israel e homossexuais constituem o duplo inimigo ideal para o islamismo conservador. Não por acaso, no jornal egípcio Sabah al-Kheir apareceu o título: "Golda Meir é lésbica."

O artigo continua dizendo que a história dos direitos dos homossexuais em Israel também tem muito que se lhe diga. No fundo, trata-se de uma estratégia israelita para se tornarem bem vistos ao mesmo tempo que a sociedade israelita se debate com outro tipo de desigualdades, não se está mesmo a ver?

Assim, os activistas palestinianos têm de convencer os compatriotas de que os gays israelitas são cidadãos decentes que apenas por acaso sentem atracção pelo mesmo sexo, o que em contexto de guerra e ocupação é um bico de obra.

Para um gay, fugir para Israel é traição, e ficar no território palestiniano é ficar sob suspeita, ser visto como colaborador.

Ler para crer.

Israel tem, pois, mais um desafio pela frente: por uma boa causa, deve abolir a descriminalização e outras modernices e começar de imediato a perseguir os homossexuais.

terça-feira, outubro 3

Teorizando

Os dirigentes da Igreja de Inglaterra têm uma explicação pós-moderna para a violência doméstica: o carácter masculino de Deus.

Este argumento tem um alcance teórico que pareceu escapar aos seus descobridores. O carácter masculino de Deus explica também porque é que, no acesso à carreira de padre, bispo ou arcebispo, a posse de um pénis parece ter prioridade sobre a capacidade de analisar a realidade e reflectir sobre ela.

segunda-feira, outubro 2

Concorrência

A BBC emitiu ontem um documentário com revelações comprometedoras para a Igreja Católica e onde também Ratzinger é visado . O caso tem a ver com a alegada cobertura a padres indiciados de abuso sexual de crianças.

Nos arquivos do Panorama registam-se três trabalhos, desde 2000, sobre os escândalos de pedofilia no seio da Igreja Católica. Ainda bem que tudo se vem a saber. Bem, nem tudo. O abuso de crianças não é um exclusivo da Igreja e não faltam pontas por onde pegar no assunto. Mas não seria justo que a BBC açambarcasse tudo: com certeza a Al Jazeera está atenta e fará a parte que lhe toca. Vai ser já a seguir.

domingo, outubro 1

Decassílabos perigosos

A isto mais se ajunta que um devoto
Sacerdote da lei de Mafamede,
Dos ódios concebidos não remoto
Contra a divina fé, que tudo excede,
Em forma do Profeta falso e noto
Que do filho da escrava Agar procede,
Baco odioso em sonhos lhe aparece,
Que de seus ódios inda se não dece.


Se a tendência para a auto-censura for para continuar, vai haver muito para desbastar nos Lusíadas. A versão corrigida vai ficar tão magra que poderá até voltar a ser leitura recomendada no ensino básico.

quarta-feira, setembro 27

Cristiano assobiado

Esta noite, no jornal de um dos canais de tv, comentavam-se os assobios de ontem, na Luz, dirigidos a Cristiano Ronaldo. O canal foi buscar um sociólogo para explicar o fenómeno. O homem lá disse umas coisas, mas eu estou convencido de que a D. Vitória, a minha estimável empregada de limpeza (que não é excelente a limpar o pó mas até percebe de futebol) explicaria melhor e mais depressa.

segunda-feira, setembro 25

Faraday e o copianço pós-moderno

Também no Reino Unido se fala de um aumento vertiginoso da fraude nos exames, graças aos avanços tecnológicos em matéria de comunicação por telemóveis e mp3.

Ora, depois de anos e anos de investigação em educação, de sofisticados estudos docimológicos em tudo o que é universidade que se preze, o melhor que se pode dizer de Jean Underwood, perita em assuntos escolares, é que não passa de uma bota de elástico irrecuperável: propõe Underwood, para emudecer os telemóveis, a instalação de gaiolas de Faraday nas salas de exame! (Antevê-se, em resposta, o regresso às cábulas de papel.) Electromagnetismo novecentista. Bah!

Os dejectos dos tapetes

Por motivo de incêndio numa casa de meninas em prédio colado ao Rossio, o PÚBLICO-LOCAL mobilizou uma repórter. O resultado vem lá hoje com caixa alta. Os vizinhos dão largas ao desagrado pela companhia que lhes coube. A Dona Glória, que faz anunciar as suas meninas nos classificados do Correio da Manhã, sacode "tapetes com dejectos esquisitos". O artigo não nos elucida sobre a natureza dos objectos, mas fica-se curioso. Talvez venha a ser objecto de uma peça jornalística mais aprofundada. Seria interessante até fazer um estudo comparativo com os dejectos de tapetes provenientes das casas de meninas anunciadas nos classificados do próprio PÚBLICO. Simples curiosidade científica.

domingo, setembro 24

A conspiração dos 25%

Um quarto dos portugueses ficará em casa durante a pandemia ( de gripe das aves).
Um quarto dos portugueses sofre de rinite alérgica.
Um quarto dos portugueses assistem a concertos.
Um quarto dos portugueses comprará na Internet em 2007.
Um quarto dos portugueses tem casa de férias.
Um quarto dos portugueses afirmou ter alterado os seus hábitos alimentares e de bebida nos últimos três anos
Um quarto dos portugueses prefeririam ser espanhois. ( Notícia de O Sol, ontem)


Estou a desconfiar disto. Provavelmente são sempre os mesmos. Respondem sim a tudo.

A submissão para além da morte em Bulwell

Na construção do novo cemitério de Bulwell, Nottingham, está previsto que todas as sepulturas estejam orientadas para Meca. Quem pretender um enterramento diferente, terá de fazer uma requisição especial. Curiosamente, a percentagem de população muçulmana em Nottingham não chega aos 5%. Tudo leva a crer que as iniciativas das autoridades locais vão já bem à frente das reivindicações. Pouco a pouco, por enquanto em aspectos aparentemente anedóticos, inócuos, a integração faz o seu caminho.

Cedências que contemplam o que está para lá da morte. Prenúncio terrível de uma possível, e provável, submissão em vida?

domingo, setembro 17

O homem só

Grupos de islamistas radicais foram rápidos a manifestar-se em vários paises muçulmanos em reacção às palavras do Papa. Ameaças de morte, bombas em igrejas cristãs, queima de uma efígie de Bento XVI e o assassinato de uma freira constituem o balanço recente. Nada surpreendente; certamente também não para o Papa (Vasco Pulido Valente escreve no PÚBLICO de hoje que a reacção islâmica terá deixado Bento XVI estupefacto, o que não me parece nada provável). Bento XVI é tudo menos ingénuo e distraído e com certeza mediu o que iria dizer, e as consequências, e quis assumir o risco. Ele não ignora que para os ouvidos do Islão, até mesmo para os chamados intelectuais, pouco importa que se tratasse de uma citação e que o contexto fosse o de uma palestra em ambiente universitário. E quanto aos grupos islâmicos radicais, se há coisa de que eles não precisam é de pretextos para a violência antiocidental. A conspiração para nos converter de certeza não dorme, e até que se registe um atentado mais mortífero que os anteriores, ou pelo menos a tentativa dele, é uma questão de tempo e sorte (ou azar). Bento sabia também com certeza que não seriam de esperar vozes de apoio, nem mesmo dentro da Igreja. A sua atitude tem um cunho mais político do que religioso: vem mostrar que o ocidente está paralisado e refém do medo (o que, de resto, também não é novidade) mas que ainda assim há quem tenha consciência da tremenda ameaça e escolha não ficar calado. A visão do perigo e a identificação do inimigo tornou-se especialmente difícil, mas é condição necessária para que se possa pensar a defesa.

Em face da grotesca reacção de responsáveis políticos muçulmanos (a quem nunca são requeridos pedidos de desculpa) fica óbvio que o "diálogo" entre as religiões só se fará com as regras impostas pelo Islão. É altura de reconhecer que as iniciativas de diálogo e aproximação conduzidas pelo papa anterior tiveram um resultado nulo neste campo. Os complexos de culpa e a falta de firmeza que enredam a política europeia abrem o caminho à submissão total.

Actualizado em 18/9: comentário a propósito no telegraph, hoje.

No First Things: It can be argued that the Regensburg lecture will turn out to be the most important statement by a world leader in the post–September 11 period.

No Times: The Pope’s actual quotation is not just a medieval point of view. It is a common modern view; even if it seldom reaches print; it can certainly be found on the internet. “Show me just what Muhammad brought that was new, and then you shall find things only evil and inhuman, such as his command to spread by the sword the faith he preached.”

Is it true that the Koran contains such a command, and has it influenced modern terrorists? The answers, unfortunately, are “yes” and “yes”.


No New York Sun: No, this pope is not naïve. It is our liberal, theologically illiterate politicians who are naïve. We are already at war — a holy war, which we may lose.

A nova era no Vaticano, cartoon publicado na Al Jazeera.

Anne Applebaum no Slate: nothing the pope has ever said comes even close to matching the vitriol, extremism, and hatred that pours out of the mouths of radical imams and fanatical clerics every day of the week all across Europe and the Muslim world, almost none of which ever provokes any Western response at all. And maybe it's time that it should: When Saudi Arabia publishes textbooks commanding good Wahhabi Muslims to "hate" Christians, Jews, and non-Wahhabi Muslims, for example, why shouldn't the Vatican, the Southern Baptists, Britain's chief rabbi, and the Council on American-Islamic Relations all condemn them—simultaneously. Equally, I see no reason why Swedish social democrats, British conservatives, and Dutch liberals couldn't occasionally forget their admittedly deep differences and agree unanimously that the practices of female circumcision and forced child marriage are totally unacceptable, whether in Somalia or Stockholm. Surely on this issue they all agree.

sexta-feira, setembro 15

Oriana Fallaci

Faleceu esta noite em Florença. O último artigo, "O inimigo que tratamos como amigo", aqui. Mais informação na edição extra do Corriere.

quarta-feira, setembro 13

A verdadeira conspiração

Na Holanda, o ministro da justiça pronuncia-se favoravelmente à introdução da sharia.

Aos poucos, a política de integração avança. Integração da Europa no Islão, bem entendido.

segunda-feira, setembro 11

11 de setembro

1 de novembro de 1755, 1 de dezembro de 1640, 6 de agosto, o outro 11 de setembro, 25 de abril podem ser recordados com nomes: terramoto, restauração, bomba atómica, golpe de Pinochet, revolução dos cravos ou golpe militar, segundo o gosto. Por vezes recordamo-nos de nomes e não de datas, pelo menos datas exactas: Katrina, invasão do Iraque... Quando o acontecimento é inominável, por não haver precedente que tenha justificado uma designação, resta a data como etiqueta.

Quase todas

Um spot da TSF a anunciar a programação especial para hoje diz mais ou menos isto: "depois do 11 de Setembro quase todas as religiões ficaram sob suspeita..."

Humm... quase todas? A TSF podia ser um pouco mais explícita e dizer "todas menos o Islão."

sexta-feira, setembro 8

O amor nos tempos de internet (12)

-Oh Ritinha dá cá um beijo, nhhh, nhhh, até que enfim!
-Há quanto tempo? Quase meio ano, não? Estás óptima, deve ser da gravidez
-É incrível como a vida nos tira o tempo até para as amigas. Dantes viamo-nos todos os dias e agora quase só nos ouvimos pelo telefone
-O Carlos como vai, além de lhe dar para fazer de fantasma à noite?
-Não gozes, que eu tenho um medo que o diabo do homem caia e bata com a cabeça nalguma coisa
-Deixa lá, nessas crises eles devem ter um radar como os morcegos
-Mas olha que agora estou é mais preocupada com isto da minha mãe. Como te disse há uma semana, quando éramos para nos ter encontrado, ela estava com sinais de um AVC e entretanto confirmou-se.
-Que problema
-É para ela e é para mim. A médica de família disse-me ontem, tem que ficar com a sua mãe, ela não pode ficar sozinha
-…??
-e eu disse ó sotora, como é que eu posso, grávida, a trabalhar, com marido, num apartamento de três divisões, devia estar prevista uma solução para estes casos, e ela, mas normalmente nestes casos agudos conta-se com a família, e eu disse logo, olhe, não sei como vai ser mas comigo é que ela não fica, já basta o que ela fez à minha cabeça até que saí de casa
-ai meu Deus disseste isso?
-disse e hei-de dizer, tu conheces bem a história, primeiro estiveram sempre os amantes de sua excelência, agora não sou eu que me vou sacrificar
-Sim, mas alguma ajuda tens que dar à velhota, esquece essas coisas
-Olha, vamos para a mesa do canto para falarmos mais à vontade, e tens que me contar já a tua história antes que isto fique tudo cheio
-Cheira que é uma maravilha, se a comida que eu faço fosse tão boa como a deste self-service o estupor não andava atrás doutra, sabes eu levo isto a rir
-ahahahah
-Bom, então cá vou eu contar-te em segredo absoluto, ouviste? Não falo do caso a mais ninguém, absolutamente
-Rita, sabes que sim
-Lembras-te que te disse que tinha descoberto uma conversa do Eduardo no pc lá de casa
-Dantes ainda ia sabendo qualquer coisa do Eduardo pelo meu sobrinho, mas já há uns meses que não vejo o Dino
-Pois, então foi na segunda de manhã, há quinze dias, antes de ir para a empresa fui ao computador para completar um relatório que tinha o título co qualquer coisa e ensonada como estava não me lembrava em que pasta o tinha posto
-Estou a ver, tens tanto em que pensar
-de maneira que fiz search e além do meu apareceu outro documento com o nome co outra coisa
-Começa bem
-Sim, e aqui a tua amiga que é discretíssima mas muito curiosa vai ver, é uma conversa do Eduardo com um fulano de Coimbra
-Nunca me falaste de nenhuma personagem de Coimbra
-Não, mas falo agora, é um tipo que entrou nas amizades do estupor através da ex, uma pessoa muito bem colocada, trabalha numa firma de advogados muito ligada ao partido em que tu votaste
-Ó Rita, como é que tu sabes isso tudo?
-Claudinha, é tão fácil, com o que se vai ouvindo e com o resto, está tudo na net
-Qual é a firma?
-Ora, o Carmelo Reis e Associados, sabes, é quase uma ordem religiosa
-Ai nossa senhora, mas não te percas
-A perna de borrego está óptima
-Di-vi-na, mas diz mais
-Pois então imagina: lendo a conversa percebe-se que o advogado de Coimbra está a arrastar o Eduardo para preparar uma à mulher dele
-À mulher? Arrastar como?
-Sim, o tal tipo é casado, mas acho que aquilo deixou de funcionar, o L. às vezes falava disso, que andam há muito tempo num impasse e acho que agora quer ver-se livre do casamento com proveito
-e…?
-e eu acho que ele fez a cabeça do miúdo
-Então mas qual é o papel do Eduardo nisso?
- Parece que a Clara, é assim que ela se chama, já conversou com outro homem num chat da net mas é muito cuidadosa e o marido não tem provas claras, só um indício
-Já estou a ver o resto, quer que o rapaz colabore numa armadilha… E o Eduardo vai nisso? Não o conheço bem mas tinha uma óptima impressão dele. E porque é que o advogado não a deixa a mulher, simplesmente?
-Ó minha querida, se conseguir o divórcio em determinadas condições tem hipóteses de ficar com um casarão
-Ah é?
-Isto sou já eu a supor, mas não devo enganar-me muito, porque segundo o que ouço contar pelo L., ela tem muita massa
-Ah bom
-Têm um T4 e uma vivenda, e acho que não é com o ordenado dele que os compraram
-Bom, nada que não se tenha visto, mas mesmo assim como é que esse homem tem à-vontade com o rapaz para andar a meter-lhe na cabeça uma coisa dessas?
-Realmente, para se chegar àquele nível de confiança alguma coisa há-de haver que eu não sei o que é
-Mesmo assim não percebo… o que é que o rapaz lucra com isso? … e a outra suspeitará de alguma coisa?
-Não tenho ideia. Pelo que li, o miúdo pareceu-me de pé atrás, mas interessado ao mesmo tempo. Vê lá a família que eu estava quase a arranjar, digo isto porque estou com um pé dentro e outro fora
-A minha opinião não conta, mas acho isso esquisito… como é que iriam conseguir tramá-la?
-Não se percebe bem só com base no que eu vi, mas talvez se ela tiver uma troca de mimos comprometedores com outra pessoa ao telefone ou na net e essa pessoa gravar… topas? O colaborador fará o papel de quem está a chantagear o marido
-Pois… mas isso provará o quê? E não podem ser descobertos? O tipo sendo advogado arrisca muito, e o miúdo trama-se
-Minha querida, todos arriscamos qualquer coisa, e uns arriscam mais alto quando acham que vale a pena
-Meu Deus, que história
-O L. anda transtornado, já deve ter visto o que eu vi
-Então e mudando de assunto ele continua atrás da outra do norte?
-Acho que ele está um pouco perdido, e eu já me desinteressei do assunto porque vou saltar do barco. O mais certo é eu já não chegar a saber os episódios seguintes… Bom, isto está a encher e aqui há sempre gente conhecida, por isso vamos falar de outros filmes. Tens ido ao cinema?

As vítimas da pedagogia

Alan Johnson, secretário de estado britânico para a educação, acaba de reconhecer que as metodologias impostas pelos governos para o ensino da aritmética e da escrita, desde finais dos anos 90, terão prejudicado a aquisição de conhecimentos de mais de cinco milhões de alunos. A tabuada vai ser ensinada mais cedo do que nos anos recentes, bem como a maneira de efectuar no papel operações elementares. Descobre-se agora também que os rapazes não têm mais dificuldade do que as raparigas em aprender a ler! Parece que afinal basta ensiná-los de modo sistemático, sem recurso às técnicas delirantes inventadas pelos marcianos da pedagogia.

À atenção da Sra Maria de Lurdes Rodrigues, que umas vezes parece perceber para onde vai e outras vezes não. Está quase a fazer um ano a operação de emergência para salvar o ensino da matemática, coordenada por uma larga maioria de marcianos, com um ou outro terrestre no papel ingrato de minoria quase sem voz. Espera-se que um dia se venham a avaliar os resultados. Receio que sejam fracos, além de, para já, dar mais força aos marcianos.

quarta-feira, setembro 6

O horror em 2006

Nas cadeias do Irão há seis mulheres à espera de execução por apedrejamento. O caso que recentemente motivou mais protestos, pela sua urgência, é o de Ashraf Kolhari, de 37 anos, condenada em 2001 a 15 anos de prisão por alegada colaboração na morte do marido e à morte por apedrejamento por relações sexuais com outro homem (ele também condenado: 100 chicotadas e morte por apedrejamento). Com a sentença de prisão longe de estar cumprida, a execução de Ashraf esteve prevista para Agosto, mas encontra-se suspensa graças aos protestos, em que a Amnistia Internacional esteve envolvida. Não há, de modo nenhum, garantias de que a sentença não venha a ser executada.

(A Sra Ana Gomes terá muito com que se ocupar de modo útil, caso se interesse por casos como este.)

quinta-feira, agosto 31

É já a seguir

É com muito gosto que anuncio aos 10 leitores deste blog que a blognovela quase periódica vai regressar. O Lino2, terminada a sua tese "Concepções Teórico Metodológicas sobre a Introdução e a Utilização de Computadores no Processo Ensino/Aprendizagem", e gozadas as merecidas férias, vai postar mais um episódio já daqui a poucos dias.

(É tudo verdade menos o título da tese: alguém que tivesse escrito uma tese com aquele nome, ou partes dele, seria despedido deste blog com justa causa.)

Rir (mesmo da guerra) é saudável

Quando shiitas dos subúrbios de Beirute correm de mão erguida com os dedos em V, que querem dizer? É para indicar que na zona de onde vêm só ficaram dois prédios em pé.

Esta e várias outras anedotas que correm no Líbano podem ser lidas aqui e aqui.

quarta-feira, agosto 30

A justiça

Documentário da BBC sobre a execução de uma rapariga de 16 anos, acusada de adultério. Irão, 2004.

Naguib Mahfouz (1911-2006)

Escolhemos uma mesa sob um eucalipto no cafezinho na margem do Nilo, onde o sol da tarde perseguia sem força o frio cortante do inverno no Cairo. Evitando sempre os meus olhos, ela disse "Não devia ter vindo".
"Mas vieste", respondi, tranquilizante. "Está decidido."
"Nada está decidido, acredita."
Olhei-a. Tinha que aceitar o jogo. "Tenho a certeza que por estares aqui..."
"Não. Simplesmente não quis ficar sozinha com as tuas cartas."
"Não há nada de novo nas minhas cartas."
"Mas escreveste-as a alguém que não existe." Toquei-lhe a mão sobre a mesa como que a provar que ela existia. Retirou a mão. "Vieram com quatro anos de atraso."
"Mas falam-te de coisas que não têm a ver com o tempo nem com o lugar."
"Não vês que me sinto sem forças e desgraçada?"
"Também eu. Os nossos amigos olham-me como um espião. Eu vejo-me a mim próprio como um renegado e um traidor. Só te tenho a ti."
"Grande consolo."
"Não me resta mais nada. Excepto a loucura ou a morte."
Suspirou como se doesse. "Traí-o na minha cabeça há muito tempo."
"Não. Foste um exemplo de lealdade falsa."
"É outra maneira de dizer."
"Sofremos sem um motivo real", expliquei, irritado, "Essa é que é a tragédia."

(Miramar, 1967)

terça-feira, agosto 29

Crimes, dizem eles

A Amnistia Internacional acusou recentemente Israel de crimes de guerra. O comentário feito ao comunicado pela Al Jazeera termina, talvez com satisfação, talvez com surpresa, com a frase:
AI has not issued a report accusing Hezbollah of war crimes.

segunda-feira, agosto 28

O segundo rapto de Natasha

A menina recusa-se a ver os pais. Está rodeada de "especialistas" por todos os lados. Longe de mim fazer juizos sobre os comportamentos induzidos por uma experiência tão terrível, mas lendo a "carta de miss Kampusch" não posso evitar a sensação desconfortável de imaginar os psis, os advogados e até os anti-tabagistas a teclar sob os dedos da menina. Sabendo-se que podem estar em jogo somas chorudas provenientes de uma indemnização, não faltará quem queira mostrar muito trabalho. Os sublimes interesses do avanço da ciência também não são de desprezar, pois o caso promete render um bom punhado de posters e artigos em revistas da "especialidade". Para manter as coisas sob controlo, o passo seguinte terá de ser o acompanhamento dos pais, para que eles também se convençam, dados os aspectos censuráveis da sua vida privada, de que não é bom andarem por perto da filha.

domingo, agosto 27

Auto de Mateus

Não sei se o público do futebol se sente prejudicado com a não realização de jogos quando, em substituição, tem o Auto de Mateus (singela homenagem ao nome do clube). As questões em discussão, as grotescas personagens em cena e as movimentações em palco são matéria de primeira classe para ruminação das imensas bancadas centrais que proliferam no país. O picante adicional fornecido pelas peripécias judiciais envolvidas é mais um aliciante: há três anos (sensivelmente desde o início do processo casa pia) que os media nos vêm impingindo um curso de direito em pastilhas e é necessário manter vivos e operacionais os conhecimentos.

Eu não vibro com isto mas também não estou a menorizar o assunto: deixo isso para os detractores do futebol. Na realidade tenho uma certa fascinação pelo enredo que me permitiu dar conta de que existem o Mateus, o Sr. Fiúza, órgãos judiciais dedicados e um clube de Barcelos com o nome de Gil Vicente (embora ache que o Gil não merecia isto). De resto, acho a trama bem mais interessante do que muitas outras, da ficção ou da chamada vida real, a que as tvs consagram longas horas: estou a lembrar-me dos morangos nas várias versões açucaradas ou da inenarrável fofoquice cor-de-rosa em que, no fatimalopes-sic, três ou quatro senhoras, onde se inclui um homem, discutem os namorados e as namoradas de pessoas mais irrelevantes que os jogadores de futebol.

Actualização em 30 de agosto: Com a entrada em cena das personagens Loureiro e Leal a trama adensa-se. Ainda não estamos ao nível do Velho da Horta, mas para lá caminhamos.

Apoio a Plutão

Não é justo: os planetas grandes estão cada vez maiores, e os pequenos cada vez menores. Famílias da classe média entram em depressão: "os nossos filhos vão crescer com apenas 8 planetas".

domingo, agosto 20

Leituras de domingo

- Pontos de vista de personalidades e colunas publicadas em jornais do mundo árabe a respeito do conflito no Médio Oriente.

Ashraf Al-Ajrami, colunista do jornal da Autoridade palestiniana “Al-Ayyam”: "It may be said that the Damascus-Tehran axis, which includes Hezbollah and Hamas - who are supporting actors but are playing a primary role - wanted to wreak havoc in the region, and [carried out this plan] in two main arenas - Palestine and Lebanon. [They] used the Palestinians and the Lebanese as pawns in the international game, in order to promote the interests of Tehran and Damascus in their conflict with the U.S. and in order to strengthen their international status..."

Mohammad Ali Boza no jornal governamental sírio “Al-Thawra”: "[The actions of] targeting Lebanon, changing its face, and redrawing its map are merely another stage in the series of hasty, foolish and reckless actions taken by the neo-conservatives in the U.S. and by their ally Israel with the aim of suborning the region to their authority, defeating it, and breaking its will”.

“It is the Bush administration that is running... this destructive and murderous war, which moves [from one country to another in the Middle East], while Olmert's government supplies the mechanism [for carrying it out]. [In light of] the failure of [the American] strategy in Iraq and its helplessness [there] after so many years... America [has decided] - in order to compensate itself and cover up [its failure]... - to expand the circle of fire and death by aiming all this criminal, blind hatred at Lebanon..."

A teoria da super-conspiração noutro artigo no mesmo jornal: "The war that is currently waging [in Lebanon], with its declared and undeclared goals, makes us more certain than ever that Israel and the U.S. are the forces behind the assassination of [former Lebanese prime minister] Rafiq Al-Hariri. The assassination was part of an unsuccessful attempt by the U.S. to enforce U.N. Resolution 1559. The aggression [we see] today began because Israel, as it turns out, is the only one who benefits from this resolution and from Al-Hariri's assassination..”

Passatempo de domingo: fazer uma lista de jornalistas e personalidades nacionais que poderiam subscrever cada um dos textos reproduzidos e comparar o comprimento das listas.

- Carta aberta a Gunther Grass, por Daniel Johnson.

You are often compared to Thomas Mann, but you are no more a Mann than you are a man. The only Mann character with whom you have much in common is Felix Krull, the confidence trickster. Your rise and fall recalls the greatest of all German myths, that of Faust, which Mann explicitly connected with Nazism.

sábado, agosto 19

sexta-feira, agosto 18

Os Rolling Stones têm finalmente os espectadores adequados

Ao contrário do que se passa por cá, os próximos concertos do grupo de velhotes de Mick Jagger, anunciados no Reino Unido, não estão a vender como se esperava, nem mesmo na internet. O caso é tão grave que as agências especializadas em eventos para a 3ª (ou maior) idade estão a aproveitar a situação para vender ao público pensionista bilhetes a metade do preço. Considerando que a soma das idades do grupo é 249 anos, este é o público certo no lugar certo.

A publicidade clama: 'See Gods of rock for yourself - The Rolling Stones return to rock in the UK live.' Live? Hummm... se não se despacham, Stones e espectadores, duvido.

terça-feira, agosto 15

Deve haver engano



(foto: http://isna.ir/Main/PicView.aspx?Pic=Pic-771739-1&Lang=P)

A polícia anda a recolher parabólicas nos telhados de Teerão. A ordem deve ter vindo de um incompetente mal informado. Que importância terão um ou dois canais pouco amigos do regime ao lado de uma multidão de outros em que as notícias e pontos de vista sobre a guerra mereceriam a aprovação regozijada de Ahmadinejad? No lugar do presidente eu até encorajava o consumo obrigatório de um bom número de telejornais ocidentais, para que os atrevidos com impulsos dissidentes percebessem que o mundo os ignora e despreza.

domingo, agosto 13

sábado, agosto 5

A ideologia de sucesso

Apesar de todo o avanço tecnológico e das contribuições do mundo ocidental para o bem estar de faixas de população cada vez mais alargadas, as ideologias que diabolizam e rejeitam os valores em que assentou o progresso triunfaram, ao ponto de tornarem as grandes massas de cidadãos incapazes de olhar o mundo sem a muleta daquelas lentes distorcidas e perversas. Foi, de resto, o nosso mundo, e particularmente a Europa - o mesmo mundo a que devemos boa parte do sucesso tecnológico e social - que incubou o pesadelo do comunismo e que alimentou durante séculos o ódio aos judeus.

A derrota do comunismo não aconteceu a nível das ideias. Os órfãos da doutrina rapidamente se reciclaram, integrando-a como lapa numa abundância de disciplinas a que o mundo universitário conferiu respeitabilidade. As circunstâncias políticas, num mundo imbuído de generosidade pouco reflectida por se julgar livre de ameaças, contribuiram para a difusão da velha ideologia travestida, servida agora sob a forma de catecismo de todos os bons comportamentos e todas as tolerâncias (não por acaso, nunca aplicáveis na prática aos judeus) que até são servidas em versão infantil nos currículos escolares. Liberto dos aspectos mais enfadonhos e assustadores exigidos pela militância nos partidos marxistas, este comunismo suave e requentado teve um sucesso muito maior, a nível da aceitação pelas massas, do que o original. Ele acabou por se transformar na matriz de pensamento de grande parte da respeitada intelectualidade ocidental e, por arrastamento, das largas massas que por natureza utilizam o pronto a pensar como utilizam o pronto a vestir ou a comer. Como subproduto de relevo, o ódio à América - o ex-imperialismo por excelência - nunca deixou o terreno.

Outro instrumento de sucesso veio potenciar a difusão da ideologia fácil e sedutora: a televisão. Sendo o meio de transmissão de informação mais omnipresente, favorecendo mais o consumo da emoção do que da análise, e habitada em grande parte por comentadores e jornalistas que foram estudantes aplicados do catecismo das novas crenças, executa no dia a dia uma doutrinação declarada ou subreptícia.

Entretanto, à soleira da nossa porta, um inimigo espreita. O tempo está-lhe de feição. Encarnado em Ahmadinejad ou Nasrallah, basta-lhe ser apenas ligeiramente mais inteligente do que a maioria de nós para perceber que pode pisar todos os riscos porque nós não estamos do nosso lado, mas sim do dele. Ele disfruta de uma vantagem absolutamente nova: a inconsciência de um mundo tão anestesiado que não identifica o seu agressor, mesmo quando este confessa abertamente os fins. Na guerra em curso, ele tira partido dessa disposição suicidária. Sabe que, do lado de cá, não se percebe bem o que está em jogo, ou então finge-se não perceber. E a guerra passa muito pela televisão: ao mostrar a exibição de baixas causadas por Israel, a tv fá-lo com a mesma ingenuidade e candura com que passa "manifestações" encenadas por governos de países onde não há liberdade de ter uma parabólica, quanto mais de manifestação. A tv do lado de cá está ao serviço do lado de lá.

A atitude dos meios de informação, com as tvs à frente, também terá a ver com a facilidade, o comodismo e o medo, numa Europa em que a população islâmica atingiu já níveis muito importantes. Apesar das tomadas de posição anti-ocidentais de muita gente bem pensante, até os idiotas úteis não ignoram que criticar Israel ou o Papa é de borla, mas ofender dirigentes muçulmanos extremistas ou fazer humor com o chamado profeta é estar pedir churrasco em casa.

Post scriptum: Se for conveniente até se retocam as imagens, a fim de tornar mais glamorosa a destruição operada pelas forças de Israel. É o caso desta foto publicada pela Reuters, cuja desmontagem se pode ver aqui.

Também nos últimos dias se acumulam as notícias de que a guerra está a provocar união de sunitas e xiitas. Mas ainda há pouco um influente religioso egípcio lançou uma fatwa sobre o Hezebollah. E o que continuamos a ver no dia a dia do Iraque mostra que se trata possivelmente mais de desejos do que de notícias.

segunda-feira, julho 31

No tempo dos milagres


(Jan Vermeyen, 1530)

E quando o mestre da cerimónia provou a água transformada em vinho, sem saber de onde vinha(...) chamou o noivo e disse-lhe, toda a gente serve o bom vinho em primeiro lugar (...) mas tu guardaste-o para o fim.

Pouca sorte ser civil no Líbano


Enquanto os media debitam uma versão mais do que esperada sobre a violência da guerra, o drama de certas áreas residenciais no Líbano, documentado nesta e noutras fotos, parece estar a ser completamente ignorado.

É interessante também que os adeptos das teorias de conspiração fiquem sossegados com um material tão promissor à mão: parece que houve um intervalo de sete horas enre o ataque aéreo ao edifício de Qana e o colapso, e também que só passado esse tempo chegaram as ambulâncias e os socorros. Antes disso, sem derrocada e sem câmaras prontas no terreno, parece que a operação não valia a pena...

segunda-feira, julho 24

A reabilitação da carta

O presidente do Irão não pára. Depois de Angela, agora é Jacques que tem correio.

De olhos bem fechados...

...pensam eles que está quem os lê. Os abaixo assinantes contra a operação militar israelita dão as suas razões pela voz de Eduardo Lourenço: preocupa-os não se saber onde é que as coisas irão parar. O que não dizem é que, na ausência da acção militar, sabe-se muito bem onde é que as coisas iriam parar. Curioso observar na turma antifascista-laica-progressista a atracção sistemática pelo pior dos fascismos, associado a uma ideologia medieval retrógrada disfarçada de religião. Mistérios da vida animal.

sábado, julho 22

A paz é uma palavra bonita

A terrível realidade é, no entanto, muito mais complexa. Quando se clama pelo cessar fogo, supõe-se que ele deverá resultar de um acordo entre duas partes tais que cada uma acredita no que a outra afirma como compromisso. Na actual guerra do Líbano, uma das partes será Israel. Mas qual será a outra? O governo libanês? O Hezebollah? O primeiro já se viu que não controla o segundo e este é um interlocutor inaceitável e marioneta do Irão.

Também é duvidoso que as Nações Unidas possam ser um mediador fiável. Em 2000, membros do Hezebollah raptaram e assassinaram três soldados israelitas, aparentemente com a passividade colaborante daquela organização. A autoridade moral da UN parece frágil quando há memória.

quarta-feira, julho 19

Há um ano, no Irão



Mahmoud Asgari e Ayaz Marhoni, Mashad, Irão, 19 de Julho de 2005

terça-feira, julho 18

Agora a sério

O que se passa com os exames nacionais, particularmente com os infelizmente notórios de Química e Física, é sintoma nítido de que o ministério da educação é incapaz de controlar a máquina defeituosa que pôs em movimento. Fala-se de perguntas que não avaliam nada que tenha a ver com os programas e até de algumas a que os próprios professores são incapazes de responder. Situações igualmente caricatas, embora de menor gravidade, têm atingido exames de outras disciplinas.

Os exames reflectem e procuram respeitar, tanto quanto me apercebo, os programas e as suas indicações metodológicas. Para os menos informados, que julgo constituirem a maioria da população, as ditas são consideradas, pela ortodoxia instalada (associações de professores incluídas), essenciais e indissociáveis dos conteúdos programáticos. Sucede que as indicações costumam incluir o catecismo da didáctica politicamente correcta, onde têm lugar elucubrações, transformadas em lei, das mentes tresloucadas de cientistas da educação, nacionais e estrangeiros. Quem consultar o programa oficial de uma disciplina encontra mais facilmente este rosário de loucuras do que a matéria que se espera que seja ensinada. As indicações costumam ter reflexos bem visíveis no modo como certas questões são formuladas em exames. Tenho razões para crer que o problema agora exposto à luz do dia é bem anterior ao fabrico dos exames, embora as comissões que elaboram as provas tenham uma parte importante de responsabilidade no desastre.

Não conheço o caso concreto da Química e da Física, mas conheço em detalhe o da Matemática. Considero as indicações metodológicas que embrulham os programas inadequadas e pedagogicamente nocivas. Por acaso (ou por muita ponderação e habilidade de quem tem feito as provas) não tiveram, até agora, reflexos gravosos nos exames nacionais. Mas num sistema tão infectado pela falta de bom senso, o desastre espreita a cada momento. Uma pequena variação na composição de uma comissão ou um momento de cansaço e distracção podem ser fatais ao nível dos resultados. Por agora, a borboleta bateu as asas lá para os lados da Química e da Física. Irá o caos ficar por aqui?

Incrível!

Por mero acaso, descobriu-se que Bush pensa que o Hezebollah anda a fazer merda. O mundo ficou surpreendido e chocado. Com razão. Se Bush tivesse dito que a comissão de exames do ensino secundário e o ministério da educação português andam a fazer merda, até eu poderia estar de acordo. Merda é uma palavra pouco apropriada para descrever rapto de soldados, envio de bombistas mártires para matar civis e disparo de mísseis iranianos sobre cidades de Israel. Para mim, Bush sabia perfeitamente que o microfone estava "on" e quis mostrar ao mundo que é moderado e adepto da solução diplomática.