terça-feira, julho 31

Luz de Inverno



O mistério da ausência de Deus, por Ingmar Bergman, 1963.

segunda-feira, julho 30

Não surpreende

Pelo contrário, é apenas uma confirmação para quem acredita no carácter estruturante do conhecimento matemático: os estudantes que tiveram mais matemática no ensino secundário têm melhor desempenho em todos os tipos de ciência na universidade. Há uma grande variedade de dados quantitativos, mas esta frase condensa o essencial do artigo de Philip M. Sadler publicado na Science na semana passada.

sábado, julho 28

Freguesia X

X é o nome da minha freguesia. A junta edita e distribui pelas caixas de correio o boletim "X". São 11000 exemplares de 24 páginas a cores, com fotos dos membros do executivo, entrevistas aos próprios ou aos membros da assembleia de freguesia, breves sobre as grandes realizações em matéria de jardins, organização de convívios e passeios e êxitos na criação de associações desportivas. Em complemento, notas sobre o que não se conseguiu fazer, por culpa da câmara de Lisboa. O número deste mês inclui duas páginas de educação sobre os problemas ambientais onde somos aconselhados a tomar duche em vez de utilizar a banheira, a preferir os transportes públicos, a colocar filtros nas chaminés das fábricas e a utilizar os transportes públicos (é assim mesmo). O autor do artigo esqueceu-se de falar das árvores que se poupariam se o "X" deixasse de ser publicado.

Como tema recorrente, a junta passa todos os meses a mensagem de que X é um lugar único e mágico.

Um pouco de socialismo soft em versão kitsch açucarada não faz mal a ninguém. Mas suspeito que pelo menos o pavimento de uma rua esburacada, de que a junta se queixa, poderia ser resolvido com a suspensão do "X". Declaro-me pronto a prescindir desta leitura. Em caso de saudades, compro o Avante.

quarta-feira, julho 25

Sempre contra o medo. O medo de quem?

Há cerca de ano e meio, Cavaco era, para Manuel Alegre, o candidato da direita, do neo-liberalismo e do desmantelamento do estado social; o candidato com um programa de controlo do poder e que, sendo eleito, provocaria uma crise política em seis meses.

Das duas uma: ou a análise e previsões de Manuel Alegre não valem nada, ou, confrontando estes avisos com as actuais preocupações de Alegre e com o seu artigo de hoje no PÚBLICO, cada vez mais se confirma que o alvo do então candidato era outro. O que ele queria dizer é que, com Cavaco na presidência, o tal verdadeiro alvo ficaria em roda livre.

terça-feira, julho 24

Para compreender os quadros interactivos

Surpreendido pelas notícias de ontem, não quis ficar feito bota de elástico a lamentar o provável desaparecimento do quadro preto com giz e fui procurar compreender a maravilha que se anuncia com trombetas e holofotes. Nada melhor do que deixar falar quem sabe. Encontrei assim este testemunho de um participante num encontro sobre quadros interactivos que, numa linguagem cheia de carisma e com um conteúdo completamente original, me deixou esclarecido.

Os quadros brancos interactivos (QBI) foram apresentados como um recurso tecnológico a optimizar no processo de ensino-aprendizagem. Os testemunhos das docentes x, y e z, revelam o surgimento dum novo paradigma educativo que passa pela escola virtual. Vimos que o aluno assume uma grande autonomia na sua aprendizagem. O docente aparece como o facilitador e orientador dos contextos de aprendizagem.
Neste encontro vimos também exemplos de trabalhar pedagogicamente por competências com uma metodologia de projecto e aprendizagem colaborativa. Os alunos assumem uma participação criativa na construção do conhecimento.
Mas que impacto terá o QBI na aprendizagem desta nova geração de alunos? Como avaliar? Quais os resultados?
O desafio nasce para a investigação científica na área das ciências da educação. Numa metodologia de investigação objectiva / quantitativa teremos diversas dificuldades, porque em educação há muitas variáveis. Todavia, numa análise qualitativa, ficou a impressão subjectiva dos pais ao referirem, por comparação entre filhos, que verificam uma diferença: mais motivação, brio e aplicação na realização das tarefas.
Espero, por fim, que o projecto Interact continue a ser um estímulo à arte de ser educador. Queremos mais... aprender, criar e inovar!

Um de nós,

uvw


Portantos, a tendência outono-inverno em matéria de títulos para teses em educação será: O quadro interactivo: novo paradigma do conflito interpessoal na sala de aula ou O papel regulador específico do quadro interactivo na produção de metáforas conceptuais - um estudo de caso.

As modas globais

O Australian Mathematical Sciences Institute critica os testes de numeracia realizados recentemente pelo governo australiano, pela ignorância que revelam do que é a matemática e pelo não envolvimento de matemáticos no processo. O afastamento destes profissionais de tudo o que diz respeito ao ensino não universitário tem produzido ideias equívocas sobre a matemática moderna e em particular sobre o papel determinante da matemática "pura".

Com um ensino tomado de assalto por modas efémeras, falta pertinência matemática nos conteúdos dos programas, acabando a disciplina por perder coerência e alguns dos melhores professores. Os programas tendem a reflectir a ideia de que a matemática pura só interessa para estudos altamente especializados, ignorando o papel que ela tem nas aplicações a novos campos, como as mudanças climáticas, e na determinação da capacidade de aplicar os conceitos matemáticos.

Juiz de Múrcia diz que se vive um ambiente homossexual nas famílias espanholas

O juiz Fernando Ferrin, da primeira instância de Múrcia, afirma num auto que se vive um ambiente homossexual na maioria das famílias espanholas. Bem, não exactamente com estas palavras. Ferrin é mais subtil: "É o ambiente homossexual que prejudica os menores, e que aumenta sensivelmente o risco de que estes também o sejam." Com esta e outras asserções, em que compara a homossexualidade com actividades criminosas, o juiz fundamenta a atribuição da custódia de duas filhas ao pai, em virtude de a mãe ser lésbica e ter uma companheira.

As associações lgbt devem estar exultantes e agradecidas pelo tempo de antena que a sentença lhes dá de borla. E a atribuição de custódia à mãe, e não ao pai, porque sim, ganha uma multidão de defensores, já que, se há outras razões por detrás do caso, não se fala delas.

quinta-feira, julho 19

Em alta: Informática e Matemática

A licenciatura em Informática e Matemática da Universidade Autónoma de Madrid registou este ano a mais alta nota de acesso entre todas as das universidades da capital. Bem colocadas estão também as licenciaturas de áreas ligadas à saúde, mas há muitas vagas nas engenharias clássicas e em direito.

As licenciaturas de duplo espectro podem estar aí para ficar.

domingo, julho 15

Os resultados verdadeiramente bons

No início da noite, disse Jorge Coelho na SIC, em face de projecções, que António Costa tinha obtido um bom resultado por ter mais do dobro da votação do 2º colacado. Sabemos agora que não é assim. De acordo com o critério de Coelho, bom, bom é o resultado de Telmo Correia, superior ao dobro do de Garcia Pereira, colocado logo a seguir. E, vá lá, Garcia Pereira também se saiu muito bem, com mais do dobro dos votos alcançados por aquele senhor que se preparava para arruinar definitivamente a câmara de Lisboa oferecendo bilhetes de avião aos moradores dos bairros periféricos.

A jangada segundo Saramago

Segundo Saramago, Chávez é acusado de populismo porque se ocupa dos problemas dos pobres, coisa que faz sem fingimento. E lembra que, se está no poder, é porque o ganhou nas urnas. E que faz bom uso do dinheiro que ganha com o petróleo.

Noutra lide, Saramago entende que Portugal ganhará quando inevitavelmente se tornar província de Espanha e tem até já um modelo de organização política e um nome de companhia de aviação para o futuro novo país.

Como se soube não há muito tempo, há entre nós um sector de opinião que até estará de acordo com Saramago. Já o caso dos espanhois é mais duvidoso: talvez nem os galegos se entusiasmem com a ideia, porque o que eles prefeririam era uma desintegração.

O problema é o recorte da jangada. Forças não desprezáveis trabalham noutro sentido para a reconstrução de Al-Andaluz. Com sorte, eles anexam as Canárias e nós ainda temos tempo de fugir para o norte. Seria bom que Saramago, o Eng. Bin Laden e o Dr. Al Zawhari trocassem umas ideias sobre o assunto, como diz o título de um livro. Para ver em que ficamos, já agora. Chávez poderia ser o anfitrião, certamente com gosto. E Saramago, num pulinho à Central Madeirense, ganharia a ideia para um "Ensaio sobre a Alucinação", em que os habitantes de um país comem pacotes e pacotes de Kellogs convencidos de que estão a trincar uma bela pasta italiana. O tema parece idiota, mas à semelhança de outros, Saramago transfigurá-lo-ia com a força hipnótica da sua arte. Esta última frase é para ser levada a sério. E as outras também.

quarta-feira, julho 11

Na Europa ninguém mais diz nada?

O ministro norueguês dos negócios estrangeiros Jonas Gahr Stoere chamou o embaixador iraniano para protestar contra a execução por apedrejamento, na passada quinta feira, do companheiro de Mokarrameh Ebrahimi. A sorte da senhora Ebrahimi, mãe de dois filhos, é a preocupação do momento. A execução esteve prevista para 21 de Junho e foi adiada.

Foram ontem anunciadas pelas autoridades do Irão mais vinte condenações à morte pelos crimes de violação, adultério e homossexualidade. Várias mulheres foram presas por se manifestarem a favor de lhes serem reconhecidos direitos. Agumas foram condenadas a prisão e duas delas a dez chicotadas. Uma sentença suave.

Actualização: Pedro Zerolo, secretário de estado do governo Zapatero, acaba de se manifestar contra "o integrismo fundamentalista, machista e homófobo que impregna o governo de Mahmud Ahmadineyad". Apela à comunidade internacional, "especialmente à UE, que reaja, com a mesma contundência com que reagiu perante o programa nuclear iraníano". Antes tarde que nunca, mas quanto à contundência tenho dúvidas.

segunda-feira, julho 9

Benefícios do papão da matemática

Quatro terroristas foram hoje condenados no Reino Unido. Muktar Said Ibrahim, o chefe do grupo, tinha um sonho: provocar uma carnificina superior à de 7/7, há dois anos, em Londres. Sabe-se agora que foi ele o responsável pelo falhanço do atentado devido à sua incompetência em aritmética. Ibrahim, que chumbara em matemática no secundário, calculou mal as proporçóes dos ingredientes necessários para a explosão.
Um bom muçlmano, afinal, deve dar muito mais atenção ao Corão do que às funções de variável real. Infelizmente há maus muçulmanos que perdem tempo até com o Cálculo Infinitesimal, a Química e mesmo a pilotar aviões de grande porte.

O caso agora revelado deve fazer soar o alerta nas escolas paquistanesas onde Ibrahim foi treinado. Certamente vai ser necessário dedicar mais tempo às ciências e à matemática. Mas nem só os responsáveis do ensino corânico têm razões para meditar. Sete meses antes do atentado, Ibrahim tinha sido detido pela polícia em Heathrow com destino ao Paquistão mas acabaram por deixá-lo seguir viagem. A desculpa do homem é que ia a um casamento, embora não se recordasse do nome da noiva.

quarta-feira, julho 4

Há muitos anos




Há muitos anos, numa vila alentejana, o cinema começava às 22.00 no mês de Junho. Depois passava para as 21.45, e mais lá para o início de Agosto para as 21.30. Era uma esplanada com ecran enorme, e mais cedo não podia ser por causa da luz do dia. Agora achamos que o clima está desregulado, mas lembro-me de lá ter tiritado de frio muitas noites (talvez a maioria delas). Nos bancos de cimento da geral era mau, mas as cadeiras e mesas metálicas não eram muito melhores. A luminosidade do projector de vez em quando ia abaixo e o som era cheio de distorção. Os filmes é que eram bons, ou pelo menos a memória regista-os com essa etiqueta. Agora, suponho que toda a gente da terra vê DVDs em casa, às vezes com ar condicionado.

(banda sonora daquela cena aqui.)

Na nossa casa, na esquina de um café

Estes são os sítios onde se pode criticar o governo. Ouvi há minutos na tv, dito pela Sra. Carmen Pignatelli.

Finalmente compreendo porque é que, no tempo das eleições presidenciais, os camaradas Jerónimo e Alegre avisavam que vinha aí o fascismo e por isso era preciso elegê-los a eles. Eu ria-me, não contando com a subtileza deles, pensando que se referiam ao próprio Cavaco.

segunda-feira, julho 2

Llosa sobre Revel

... um dos intelectuais mais lúcidos do tempo que vivemos, um escritor que, como Orwell - com quem tanto se parece - no período que lhe coube, salvou de certa forma a "honra do espírito" defendendo a liberdade quando tantos intelectuais a traíam por oportunismo, fanatismo ou cegueira, e denunciando sem descanso todas as imposturas que por obra das modas, da vaidade ou da simples vacuidade empobreceram o ofício do intelectual contemporâneo.

Ninguém antes dele se atreveu a assinalar que boa parte dos escritos de Lacan, Derrida, Pierre Bourdieu e outras estrelas da inteligência francesa não eram incompreensíveis por serem profundos, mas sim porque, por detrás da sua escuridão verbal, havia só pretensão, vazio e lugares comuns envoltos em retórica impenetrável...

Revel [...]começou dizendo no Ladrão na casa vazia que, ao contrário de muitos colegas, muito satisfeitos consigo mesmos, ele passara a vida a enganar-se e a arrepender-se dos próprios equívocos. Dizia-o e acreditava-o.


(Excertos de um texto de Mario Vargas Llosa, que hoje, em Madrid, recorda Revel e apresenta o Ladrão na casa vazia.)