terça-feira, maio 31

Desaparecimentos

Isto é uma dúvida que me assalta há muito tempo, mas fiquei a saber que não sou um caso isolado. Por coincidência, recentemente mais de uma pessoa me confidenciou o seu estupor perante o facto. As máquinas de lavar engolerão peúgas? Parece que não é tão incomum, no fim da lavagem, aparecer apenas uma peúga onde devia estar um par. Mas se a máquina se abotoa com uma peúga de vez em quando, não deveria notar-se algum efeito de entupimento? E porquê peúgas, porque não lenços? Ou também os surripia e não notamos porque não vão aos pares? Não tenho resposta mas pelo que tenho vindo a saber trata-se de um mito urbano bem disseminado.

domingo, maio 29

Promoções

Fábio Coentrão é um dos melhores do mundo: é Ronaldo quem o diz. O novo talento português é objecto de uma campanha de venda que poderá render umas dezenas de milhões de euros ao Benfica. Ao lateral esquerdo juntou-se ontem a campanha de um partido português. Desinteressadamente, com certeza: apenas se aproveitou a oportunidade para obter uns autógrafos do craque. O partido exibiu abundantemente a sua simpatia e adesão ao jogador.

Promover as nossas estrelas e escutar o que têm para nos dizer é um caminho justo e compreensível. Já agora, o que não se compreende é por que razão os media silenciam o entusiasmo de Luís Figo pelas energias renováveis. Desde o verão de 2009, nunca mais a sua mensagem passou nos jornais, vá-se lá saber porquê.

Qual é a palavra difícil?


Quando Stephen Sondheim escreveu letras para West Side Story, era natural ouvir uma rapariga bonita e apaixonada dizer que se sentia gay. As palavras tiveram entretanto o seu curso de vida, determinado pelos utilizadores. É curioso como houve o cuidado de reescrever o poema, substituindo o dia pela noite para rimar com outra coisa.

Qualquer pretexto é bom para lembrar as minhas obras primas de estimação, e o WSS é uma delas. Hoje o motivo foi esta sondagem da Gallup: "os americanos estimam, em média, em 25% a percentagem de gays e lésbicas". Mesmo que descontemos a ambiguidade do significado das palavras, o resultado choca com a percepção comum da realidade e com alguns dados empíricos. Eu tenho a certeza de que no espírito dos inquiridos  a palavra "gay" não evocou o estado de alma da Maria do WSS. Conjecturo que anda em pano de fundo causa mais prosaica: uma percentagem razoável de cidadãos não sabe o significado de "percentagem". As fracções são um assunto difícil para o qual as escolas não têm muito tempo. É a matemática, silly people.

segunda-feira, maio 23

Viva Sevilla





Lo traigo andado.
La Macarena y todo
lo traigo andado.

Lo traigo andado;
cara como la tuya
no la he encontrado.

La Macarena y todo
lo traigo andado.

Ay río de Sevilla,
qué bien pareces.
lleno de velas blancas
y ramas verdes.

Federico Garcia Lorca, Canção No.6, "Sevillanas del siglo XVIII", Trece canciones espanolas antiguas.

terça-feira, maio 17

Found in translation

A presunção de inocência é uma atitude civilizada por que vale a pena batermo-nos sempre. Mas dar-lhe valor e acatá-la não implica que abdiquemos das nossas intuições e do simples bom senso de tentar compreender a realidade através das explicações mais simples. Frequentemente, os que gritam "cabala" quando os factos não lhes são agradáveis têm de se contorcer em explicações tão complicadas que acabam, eles, por parecer autores de cabala. Os exemplos são abundantes. Dito isto, e esperando para ver o que dá o recente caso DSK, parece que Bernard-Henry Lévy poderá ter ido longe demais no que escreveu ontem sobre DSK. David O'Hare dá aqui uma "tradução" abreviada* e com algum humor:


DSK is my friend, and I am Bernard-Henri Lévy. How dare these people of no importance treat him as though he has been credibly accused of a violent crime! He has a wife, with whom I, BHL, have dined, at parties with witty and charming Important People, and to speak publicly of any of this is victimizing her. To show my loyalty to this member of my privileged and superb tribe, I am going to make up nonsense about how rooms are cleaned in New York hotels, and assert, in my most magisterial way, that the US criminal justice system has a presumption of guilt. I have been to America, and I know about these things. The idea that a chambermaid is permitted in that vile country to accuse a Man of Great Importance! That a servant is permitted to trip up the great enterprise of my beloved French socialism! That if my seductive, charming, friend DSK, who loves the ladies, especially his own three, has forced himself on women they are supposed to be seen as victims – the nerve!

*não dispensa a leitura do documento original.

(Via um comentário no Harry's Place)

Adenda: Pelo menos [BHL] não mencionou Dreyfus, comenta Maureen Daud no NYT.

domingo, maio 15

A kultura

Se o espectáculo das eleições anteriores não deixou saudades, o das próximas é já insuportável. Já teria sido tempo de o parlamento tomar as iniciativas de mudança para que não fôssemos obrigados à tortura do longo período de caça ao voto (campanha e pré) quando é necessário substituir os representantes dos partidos.

Com abundância de discursos repetitivos, demagogia, mentiras, inépcia política e algumas espertezas, a penosa função convoca como subprodutos uma ou outra questão relativamente interessante, com destaque para o aparente mistério da resiliência do PS, que se apresenta nas sondagens como um dos possíveis vencedores.

Mistério pequeno, sim. Por um lado, as intervenções frouxas ou desastradas do principal adversário na contenda chegam para determinar a opção de muitos votantes pelo mal que já conhecem e que passam a encarar como menor. Mas antes de tudo não se pode ignorar que permeia a atmosfera mental tuguesa uma adesão afectiva, inconsciente, tornada estrutural, aos ideários subscritos por organizações catalogadas como "esquerda", e paralelamente uma rejeição visceral do que é descrito como "direita". Na verdade estas etiquetas obsoletas e inapropriadas funcionam quase como o equivalente da distinção entre o bem e o mal. O engano começa, naturalmente, nas palavras.

É particularmente curiosa a atitude das classes com maior grau de instrução em relação a estas categorias. Na verdade, um sub-sintoma interessante daquele estado mental é a associação que parte apreciável da "inteligentsia" faz entre orientação política e "cultura". Se entre as classes baixa e média-baixa será o receio do "ainda pior" a determinar certa orientação de voto, entre as classes instruídas a simples ideia de ajudar a eleger, digamos, o actual principal adversário do PM, causa alergias e calafrios. Porquê? Porque a "direita" está, aos olhos destes cidadãos, pejada de bimbos desprezíveis. Desde violinos de Chopin até ao lapso na citação de Sartre, passando pelas confusões sobre cantos dos Lusíadas ou sobre More e Mann, os pequeninos incidentes da vida parecem dar-lhes razão. Aquelas pessoas da "direita" são assim mesmo: encenam mal ou não se dão ao trabalho de encenar. Exibem sem pudor o gosto suburbano plasmado nos nomes que dão às vivendas ou nas massamás que habitam. Os "inteligentes" (isto é, os que entre linhas lêem) desprezam-nos por isso. Com o vício de serem sempre avaliados pelos "pares", irrompe neles urticária só de pensarem em dar apoio a tão desprezível gente, com a qual não se misturariam.

Quantos dos que se riram do Santana, no entanto, estariam informados sobre o catálogo das obras de Chopin? E porquê parar em Chopin, ou nos Lusíadas? Porque não recuar a Ockeghem, ou ir até Szymanowski, aos trios com piano de Shostakovich, à Recherche? Quantos dos que escarneceram por procuração estariam em condições de fazer o comentário apropriado sem teleponto?

É certo que não há deslizes destes, pelo menos tão notórios, entre os notáveis de "esquerda". Em primeiro lugar, eles cuidam muito mais da imagem e não brincam em serviço. O actual PM é exímio na pose. Cita Ortega y Gasset, refere Camões e Pessoa com a convicção de quem leu, e pode perfeitamente ter lido. Jorge Sampaio começou pelo Cavaleiro Andante, descobriu as virtudes do Frei Luís de Sousa e leu a Guerra e Paz e o Crime e Castigo, o que é perfeitamente verosímil. De Soares também não se duvida: com certeza leu muito e terá o "bom gosto" nas artes que a "inteligentsia" estima. O modo como se referem a uns e a outros revela que no imaginário dos intelectuais bem pensantes o quadro é mais ou menos assim: em casa de Soares, Sampaio e quiçá Sócrates escuta-se Pergolesi ou Mahler e há sempre um romance ou ensaio no sofá; em casa de PPCoelho ou Cavaco roda no gira-discos alguma música das Doce e na mesa de centro empilham-se as revistas de caras que só lemos com relutância no consultório.

Claro que cultura não é só literatura e música. Guterres sabia de Física e Matemática; Cavaco é professor de Economia. Tudo sopesado, que vantagens podemos aduzir de termos eleito tais pessoas? Tivemos mais sorte com os perfis de cultura mais humanista ou com os perfis mais técnicos? Olhando para o resultado, tivemos azar com todas.

Suspeito que a nossa "inteligentsia" pode estar equivocada no simplismo do quadro, como esteve no de outros. Afinal, há quinze anos que ela achava natural, por exemplo, que os universitários portugueses ganhassem tanto ou mais que os seus colegas de alguns países europeus, sem que o país tivesse que se dar à maçada de fabricar os popós e as máquinas de lavar que todo o mundo compra - até nós, a crédito.

Finalmente, de tanta suposta cultura e mesmo sem sair do âmbito restrito dela, não se colhe grande fruto. Há alguma ideia notável nos suporíferos discursos de Sampaio, por exemplo? Há tiradas infelizes, como a do défice para lá da vida (não foi isto que ele disse, não) ou simples truismos inócuos. Recentemente, citou uma frase de Pessoa (citação que Sócrates tem usado repetidamente) para condenação do pessimismo e elevação da auto-estima, como agora se diz. "Uma nação que habitualmente pense mal de si mesma..." é uma citação inadequada: se estivéssemos a pensar mal de nós mesmos não acharíamos tão natural manter e merecer a vidinha bem acima das posses. Além disso, para apelar à vulgaridade do "pensamento positivo" não precisamos de invocar intelectuais nem poetas: as cartomantes e redactoras de zodíacos fazem-no com mais competência.

Pessoa disse do "escol" que ele se distinguia por ter a capacidade de criticar com ideias próprias, mas que podem não ser fundamentais. "A tragédia mental de Portugal presente é que (...) o nosso escol é estruturalmente provinciano." "O síndroma provinciano compreende, pelo menos (...) o entusiasmo e a admiração pelo progresso e pela modernidade(...)" "Os civilizados criam o progresso, (...), a modernidade; por isso não lhes atribuem importância de maior. (...) Quem não produz é que admira a produção." Quantas oportunidades perdidas para fazer umas citações menos redondas.

domingo, maio 8

Champanhe e candelabros

Faleceu no dia 16 de Abril o dono da célebre loja de Rodeo Drive, L.A., que fez fortuna e sucesso a vestir os mais ricos. "A roupa de homem mais cara do mundo" era o slogan. Só se atendia por marcação. O requinte e detalhes de atenção postos no serviço faziam a diferença. É o que conta este artigo do Washington Post, onde se regista também que a prazenteira escolha de pijamas, gravatas e perfumes decorria com a mistura de gozo e langor que o acompanhamento de champanhe servido por mordomos de luvas brancas permite adivinhar. Tudo iluminado por cintilantes candelabros de cristal. Uma ida à loja podia significar compras acima dos 5 milhões. Ocasionalmente, o faro para o negócio permitia-lhe quebrar regras, como quando admitiu um jovem casal que certa manhã rondava a loja, sem visita marcada: ficaram até à noite, gastaram 600 mil dólares, e voltaram no dia seguinte para gastar outros 250 mil.

Bijan Pakzad sempre deixou claro que para ser admitido como seu cliente pelo menos uma de três condições era necessária: ser rico, poderoso ou famoso. Para quem reunisse mais que uma, melhor. Vestiu Obama, Bush (parece que, dos presidentes americanos recentes, só Carter lhe escapou), Putin, Spielberg, Sinatra, Cary Grant, Stevie Wonder, Arnold Schwarzenegger e mais.

Tinha uma opinião bem definida sobre o que é um verdadeiro rico: alguém que bebe muito bom vinho ao jantar e chega à sua empresa de helicóptero. No entanto, talvez por tanto conhecer da riqueza comum, disse uma vez que a opulenta prosperidade, essa, só a pode exibir quem tem um amor feliz.