domingo, junho 30

Dance


O Google inspirou Messi?

É frequente os políticos gostarem de exibir o seu apreço por clubes e personalidades do futebol - apreço que normalmente implica favores e pagamentos com o dinheiro dos outros - por pensarem que as massas são tão estúpidas que não descodificam o oportunismo da colagem.  (Bem, há ocasiões em que percebem que o melhor é descolarem-se: hoje mesmo a FIFA fica de trombas com a ausência da perspicaz Dilma).

Ora, de acordo com a interpretação do Professor Sala i Martin, o recente ataque feito a Messi pelas Finanças espanholas vai em contramão relativamente a esta tendência. Segundo Sala i Martin, as Finanças sabem que não interessa a Messi um desgaste de imagem em processo judicial arrastado, ainda que viesse a provar-se que não há ilícitos na alegada fuga aos impostos por parte do futebolista. Os assessores e advogados de Messi negociarão e pagarão o razoável para que o assunto saia das breaking news. Assim, o ministro Montoro estaria a dar uma lição de como explorar a imagem de uma estrela de futebol extorquindo-lhe dinheiro, em vez de lhe pagar.

E afinal em que terá consistido a tentação de Messi? Ainda de acordo com o professor, um truque simples inspirado no Google: o da "dupla empresa". Os direitos de imagem são vendidos a uma empresa irlandesa com sede em Belize, por sua vez os vende a uma outra com sede na Irlanda. As taxas são 0% em Belize e 12,5% na Irlanda, mas sobre os lucros, e feitas as contas com cuidado pode demonstrar-se que o lucro é zero. Uma diferença notável em relação aos 30% de Espanha. Tudo isto partindo do princípio de que estão em jogo direitos de imagem e não salários pagos pelo Barça, se não o ganho é bem maior.

domingo, junho 23

sábado, junho 22

Vozes na rua

a dissonância entre a voz dos mercados e a voz das ruas parece aumentar cada vez mais nos países desenvolvidos, colocando em risco não apenas conquistas sociais, mas a própria democracia

(Dilma Roussef, Fórum Social Mundial Temático, em Porto Alegre, janeiro 2012.)

Entretanto, os governos de estados e municípios tentam empurrar uns para os outros o custo da sustentação das tarifas.

O prefeito de S. Paulo bem pode queixar-se de que satisfazer no curto prazo só é possível com medidas populistas.  Ora, sem medidas populistas como é que se consegue garantir uma eleição?

Entretanto, os governos das grandes cidades capitularam e as tarifas continuarão como estavam. O pior é que os transportes continuarão tão maus como estavam, e o quotidiano de uma imensa maioria tão desagradável como é agora.

quinta-feira, junho 20

A originalidade brasileira

A preparação da Copa está em pleno. Até as prostitutas encaram muito a sério o acontecimento, frequentando aulas de um inglês técnico orientado para o domínio da negociação de preços, sem esquecer o jargão apropriado a diálogos sensuais e dissertação sobre fetiches.

Enquanto isso (como se diz no Brasil) está nas ruas aquela revolta a que nos habituámos a chamar primavera. Se no começo o pretexto foi a exorbitância do preço dos bilhetes de ônibus, depressa os protestos evoluíram, ainda que de um modo não organizado, para alvos de maior relevo, atacando a condução de políticas governamentais. A maior originalidade destes gritos primaveris, no entanto, é que não poupa o futebol, apontando sem rodeios o desperdício da construção de estádios. Esta faceta dos protestos tem tanto mais significado quanto é certo que o futebol é desporto e assunto de estimação no Brasil. Ainda que as manifestações e tumultos acabem por revelar inconsequentes, ninguém poderá dizer mais tarde, quando estiverem a pagar as facturas deixadas pelos elefantes de cimento, "na altura própria ninguém se queixou".

segunda-feira, junho 17

Conceitos em revisão

Ainda lá está escrito, na página do Partido Socialista: "Proponho que a UE estabeleça como objetivo para o ano 2020 que nenhum país possa ter uma taxa de desemprego superior à média europeia", afirmou António José Seguro, na sua intervenção no Fórum dos Progressistas Europeus.

Esta escrita ambígua sugere que pelo menos o redactor não está bem informado sobre o conceito de média. O mesmo se aplica aos jornalistas que transcreveram no essencial, sem pestanejar, a petite phrase que daria para partir o coco a rir na imprensa se tivesse sido dita num Fórum de Reaccionários.

De resto, os jornais foram mais longe e, pelo menos no caso do Expresso, com o título radical "Seguro quer desemprego nos Estados-membros abaixo da média da UE em 2020", estamos à beira da situação aterradora em que o valor máximo de uma amostra fica abaixo do mínimo. Se isto valer também para as temperaturas, temos o verão desfeito.

quinta-feira, junho 13

Fintar o fisco

Nos jornais espanhóis sai hoje Messi em primeira página. Messi e o pai, mais precisamente: acusados pela autoridade tributária de um delito fiscal que vale mais de 4 milhões. Tratar-se-ia de direitos de imagem, vendidos a sociedades fantasma situadas nos paraísos, e ocultação da informação relacionada.

Uma coisa banal, presume-se. Messi, o astro que ganha cerca de 30 milhões por ano, suja o nome (é assim que o El Mundo titula, em papel) por uns míseros 4. Surpreendido, Lionel vem declarar que fez tudo dentro da lei. E quem sabe? Com certeza deu instruções aos seus advogados e assessores para lhe tratarem do guito nas condições mais vantajosas, e eles percorreram os caminhos adequados, contornando os buracos convenientes.

A investigação permitirá saber mais, e decidir se Messi infringiu a lei. As defesas terão oportunidade para sustentar que a situação é simplesmente a-legal. Moralmente, a imagem posta à venda está danificada, mesmo que uma imensa multidão de simpatizantes secundarize a escapadela. E, ao lado de suspeitas que pairam sobre figuras da política, em que ao delito fiscal se adiciona o enriquecimento pela via obscura da inserção nas redes do poder, e não pelo mérito de marcar golos e pôr estádios em delírio, o futebolista acabará por sair apenas chamuscado.

 Para já, o Lionel defende-se dizendo que não sabia de nada, seguindo bons e recentes exemplos: se a Infanta não via um boi dos negócios do marido, com quem se deitava todas as noites (achamos nós), não admira que ele, Lionel, estivesse a leste do que andaram a fazer o pai e os assessores.

O El País recorda que Messi não está só, tendo havido investigações do mesmo teor sobre estrelas como Nadal e o nosso Figo.

Também o nosso Público dá conta da notícia. Tal como na maioria de outros jornais, classificam-na na secção Desporto. Só podem estar a referir-se ao desporto de fintar o fisco.

sábado, junho 8

A súbita popularidade de Carlo Crivelli

Por via de um negócio de arte que não poderia ter-se consumado sem autorização das autoridades que tutelam a cultura, Carlo Crivelli conhece uma onda de popularidade, entre nós, de fazer inveja a pintores bem mais famosos. Popularidade inteiramente merecida, de resto. Figura singular do Quattrocento, contemporâneo de Giovanni Bellini e de Andrea Mantegna, considerado nas enciclopédias como conservador e extravagante, foi um dos cultores da perspectiva e distinguiu-se pela individualidade do traço, particularmente na figuração humana. Ao contrário de Boticelli, não foi mostrado às massas através de reproduções em posters e nas tampas de caixas com chocolates.
Ora, qual não é a nossa surpresa quando descobrimos, com estupor, que tivéramos um Crivelli, e descobrimos isso precisamente quando já deixáramos de o ter. O PÚBLICO já dedicou rios de tinta ao assunto: tinta, literalmente, pois alguns dos artigos são tão extensos que só saíram em papel. Nos que ficaram online, os comentários de leitores testemunham o interesse e o choque cultural que o caso provocou.

A saída do armário das multidões de fãs de Crivelli é uma grata surpresa, ao revelar que a cultura tuguesa é requintada e não se limita ao mainstream.

Dirão alguns que se assiste, isso sim, a mais um ataque a um governo que suscita grande antipatia. E haveria razões para isso: está em pano de fundo um negócio dúbio, permitido por intervenção directa do poder. Pode ser que tudo esteja nos limites da lei, mas possivelmente não cabe nos da moral. No entanto, como as figuras notórias que maior consternação exibem não se sentiram nada incomodadas com certos negócios dúbios em passado recente, permitidos também por intervenção do poder, e configurando situações mais graves, não me restam dúvidas de que tudo se explica pela veneração que Crivelli bem merece.





quarta-feira, junho 5

E se estivesse lá Sarkozy em vez de Hollande?

Seria tudo muito diferente? Os jornalistas que não fazem favores são mesmo chatos. (No Paris Première.)

segunda-feira, junho 3

A competência matemática do país

As professoras de matemática andaram agitadas desde o fim de semana. O Expresso publicou no sábado um artigo de opinião subscrito por vários membros da Sociedade Portuguesa de Investigação em Educação Matemática,  entre as quais uma das maiores especialistas em avaliação das aprendizagens. O conteúdo, confuso e pouco interessante, foca-se nas directivas anunciadas pelo ministério da educação no sentido de limitar o uso de calculadoras nos primeiros anos de escolaridade. O objectivo do artigo é concluir que o novo programa de matemática vai reduzir a escombros a "competência matemática do país".

Também a presidente da APM, preocupada com um "retrocesso de 40 anos" no ensino da matemática, confessou ao PÚBLICO o seu pessimismo. A senhora refere:

-deficiências graves ao nível da sua estrutura e lógica global, ao nível pedagógico e didáctico e o nível dos conteúdos programáticos - curiosa afirmação vinda dos apoiantes de programas anteriores, onde essas deficiências abundavam.

-não tendo em conta a investigação desenvolvida neste domínio - aquilo que é referido como investigação neste domínio caracteriza-se, frequentemente, por estudos de caso, e as conclusões são registadas num discurso de plástico onde se confunde a realidade com o olhar dos autores.

-muitos matemáticos, ao longo da história desta ciência, trabalharam produtivamente com objectos matemáticos muito antes destes estarem adequadamente definidos - isto é rigorosamente verdade, mas tal invocação neste lugar revela falta de bom senso pedagógico. Está aqui à vista um ponto fraco maior dos ideais construtivistas, também visível no artigo do Expresso. No ensino não há que repetir os passos dados pelos criadores que tactearam até ao aperfeiçoamento das ideias e das teorias. Não só porque as salas de aula não estão apinhadas de Arquimedes ou Isaac Newtons em quantidade suficiente, mas porque até os Newtons apreciam o apoio nos ombros de gigantes, para que em tempo útil consigam dar um passo avante. Se passarmos o tempo a reconstruir o passado não chegamos sequer ao presente, quanto mais ao futuro.

Estas lamentações não surpreendem. Durante muitos anos (pelo menos desde 1997) programas de matemática de muito baixa qualidade foram adoptados, com o apoio destas pessoas ou outras em posições semelhantes, pelos ministérios que estiveram em cena. Os programas em si não são um factor decisivo do sucesso: a acção individual dos bons professores, que existem apesar de tudo, é mais determinante, felizmente. Mas maus programas têm inspirando manuais deficientes, onde abundam textos incoerentes, por vezes incompreensíveis, o que não é muito bom para estudar matemática. Se os novos programas propiciarem o aparecimento de materiais de estudo com qualidade, já terão valido a pena.